Reportagem veiculada no Canaltech abordou caso de violação de privacidade de hóspedes que estavam em um imóvel alugado por aplicativo. O Dr. Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, foi ouvido para comentar o tema.
Hóspedes descobrem câmeras espiãs em imóveis alugados no Airbnb
Por Claudio Yuge | 04 de Novembro de 2022
Os relatos sobre descobertas de uso de câmeras espiãs e sistemas de monitoramento em casas alugadas ou quartos de hotéis não é novidade, mas vêm se multiplicando nos últimos anos. Seja por conta da alta de ofertas em sites de turismo, que muitas vezes não realizam uma inspeção nas locações ou anunciantes que não detalham a presença desses dispositivos; ou pelas novas e minúsculas spycams disfarçadas, essa é uma prática muito temida por qualquer um que esteja querendo apenas passar alguns dias de folga fora de suas residências.
Dois relatos recentes mostram como isso vem acontecendo, e, coincidentemente, ocorreram em imóveis alugados pela plataforma Airbnb — vale destacar que, embora esses incidentes estejam atrelados ao Airbnb, outros casos semelhantes no passado recente também abordam sites do mesmo nicho e até mesmo hotéis tradicionais ou anúncios em redes sociais e fora de páginas populares.
Nesta semana, uma postagem no TikTok de uma conta brasileira viralizou a descoberta de uma câmera espiã escondida no rádio-relógio de um apartamento alugado por meio de um anúncio no Airbnb. O vídeo curto mostra o locatário entrando nas acomodações e gravando bem de perto o orifício de uma câmera embutida em um rádio-relógio.
Aliás, o próprio vídeo mostra que é possível encontrar facilmente um dispositivo munido com spycam em grandes marketplaces, a exemplo do Mercado Livre.
Em outro caso publicado pelo jornal inglês The Sun Online no último final de semana, o casal britânico Mike e Michaela Kennedy relatou a descoberta de uma câmera escondida em uma acomodação alugada por meio do Airbnb em uma vila de Zaralejo, a 40 quilômetros de Madri, no norte da Espanha.
Eles disseram que já estranharam o fato de o local estar sujo e em condições precárias, bem diferente das fotos publicadas no Airbnb. Ao observar o imóvel com mais atenção, afirmaram ter encontrado uma pequena câmera disfarçada de sensor de movimento, montada perto do topo da parede da sala — e, pior, só notaram após terem se relacionado intimamente no ambiente.
O que diz o Airbnb sobre câmeras escondidas e monitoramento
No caso dos Kennedy, eles reclamaram junto ao Airbnb, que, segundo o The Sun Online, a princípio disse que os donos de imóveis podem ter câmeras “razões de segurança”. Em seguida, a empresa teria oferecido um reembolso de 50%. Os Kennedy reclamaram o estorno total, e a plataforma se ofereceu a retornar quaisquer despesas adicionais que o casal acumulasse.
Um porta-voz do Airbnb disse ao The Sun Online: “Suspendemos este anfitrião enquanto investigamos e estamos fornecendo ao hóspede nosso suporte total. Aplicamos regras rígidas em dispositivos de gravação e tomamos medidas em casos raros trazidos ao nosso conhecimento”.
O Canaltech entrou em contato com a assessoria de imprensa do Airbnb para saber um posicionamento sobre esses relatos e a política da companhia sobre o monitoramento em sistemas de vídeo de imóveis alugados.
“Em relação ao caso mencionado no Brasil, o Airbnb desativou a referida acomodação para reservas e o perfil do anfitrião enquanto avalia o caso”, comunicou a nota enviada ao Canaltech, a respeito do que foi postado no TikTok.
“Segurança é prioridade para o Airbnb, que trabalha constantemente para oferecer as mais atualizadas ferramentas de segurança aos seus usuários. Para ajudar anfitriões e hóspedes a ficarem tranquilos, medidas de segurança como câmeras de vigilância e dispositivos de monitoramento de ruído são permitidos, desde que sejam claramente divulgados na descrição do anúncio e não infrinjam a privacidade de outra pessoa. Dispositivos de gravação nunca são permitidos em banheiros ou quartos. As regras sobre dispositivos se aplicam a todas as câmeras, dispositivos de gravação, dispositivos inteligentes e dispositivos de monitoramento”, continua a resposta.
“O Airbnb condena qualquer postura ou atitude que comprometa a dignidade humana, viole a privacidade de seus usuários ou que contrarie as leis vigentes. A plataforma possui regras e Termos de Serviço e quaisquer violações estão sujeitas às medidas cabíveis, como suspensão da conta e/ou banimento na plataforma”, complementa.
O Airbnb afirma que, caso um hóspede encontre uma câmera em algum cômodo privado, possui uma Central de Ajuda com atendimento 24h e sete dias por semana, em 42 idiomas, inclusive português.
Para tirar mais dúvidas, a plataforma adiantou também o que é permitido:
- Dispositivos divulgados monitorando apenas espaços públicos e comuns: dispositivos que permitem visualizar ou monitorar apenas um espaço público (por exemplo, uma porta da frente ou uma garagem); ou um espaço comum claramente identificado e divulgado antes de uma reserva são permitidos. Os espaços comuns não incluem áreas de dormir nem banheiros.
E o que não é permitido:
- Dispositivos escondidos não divulgados que monitoram espaços comuns: qualquer dispositivo monitorando um espaço comum deve ser instalado de maneira visível e divulgado na descrição do anúncio;
- Dispositivos localizados em ou monitorando espaços privados: os dispositivos nunca devem monitorar espaços privados, como quartos, banheiros ou áreas comuns que estão sendo usadas como áreas de dormir (por exemplo, uma sala de estar com sofá-cama). Os dispositivos desconectados são permitidos desde que sejam desativados e divulgados de maneira proativa aos hóspedes.
O que fazer caso você encontre câmeras escondidas?
O Canaltech entrou em contato com advogados para saber o que um consumidor deve fazer quando descobrirem câmeras espiãs e sistemas de monitoramento não detalhados nos anúncios de locação ou em hotéis.
“Caso os consumidores identifiquem dispositivos ilegais de monitoramento em imóveis alugados por meio de plataformas on-line, estes devem tentar registrar por vídeos e fotos, e levar os fatos ao conhecimento das empresas, para que estas possam adotar as medidas legais cabíveis contra os efetivos proprietários dos imóveis”, recomenda Luis Gustavo Paiva Leão, sócio da área de direito do consumidor do escritório Viseu Advogados.
“As empresas, por sua vez, deverão notificar os proprietários e até requerer a instauração de inquéritos policiais, com o intuito de apurar os fatos e se resguardar de eventuais prejuízos”, complementa.
Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, disse que a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) protege o consumidor. “Sob uma perspectiva de proteção de dados, certamente podemos considerar as imagens coletadas indevidamente como dados pessoais tratados que estariam na prática sob a égide da LGPD. As empresas, ou mesmo pessoas físicas que violaram este direito íntimo e pessoal, podem responder (sem prejuízo das sanções cível e penal) às sanções da LGPD, além de gerar um dever de indenizar o titular das imagens, ou seja, dos dados, pela violação de seus direitos.”
“Destaco que é possível, entretanto, o uso de câmeras nas áreas comuns de hotéis de grande circulação para efeitos de segurança (com a devida base legal para isto), mas dentro dos quartos, ou no caso do Airbnb, nas áreas internas do imóvel jamais”, finaliza Puppe.