Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o Dr. Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, aborda questões relacionadas ao mercado de criptomoedas, a tokenização de ativos e as implicações desse novo modelo de negócios para o direito.
Criptoativo, tokenização e suas implicações no direito
Os impactos legais desse sistema econômico descentralizado são enormes, mas fazem parte de nossa realidade futura próxima
Por Matheus Puppe
05/01/2023
Com a expansão dos negócios em escala global, uma série de novas oportunidades e soluções surgiram no mercado, porém também novos desafios. Tais soluções oriundas da disrupção tecnológica passaram a impactar diretamente nos negócios, apresentando oportunidades inimagináveis, e cabe aos profissionais do direito e suas soluções jurídicas evoluírem juntamente com tais soluções para abraçarem esses desafios, a fim de assegurar ao gestor moderno, às startups e aos negócios em geral mecanismos para aproveitarem dos mesmos e expandirem seus negócios.
Você está familiarizado com o caos? A teoria do caos é um ramo da matemática que se concentra naqueles sistemas dinâmicos cuja aparente aleatoriedade e desordem são regidos por padrões e leis determinísticas. A teoria do caos descreve que, dentro dos aparentes sistemas caóticos complexos aleatórios, existem padrões sublinhados, interconectividade, loops, repetição, autossimilaridade, fractais e, o mais importante: auto-organização/auto-regulação.
Certamente, podemos considerar a internet – ou, mais importante, a economia digital – como um sistema caótico: apesar de sua aparente aleatoriedade, no entanto, o aparente caos se funde em padrões e leis e se organiza em direção à ordem.
Os impactos legais desse sistema econômico descentralizado são enormes, mas fazem parte de nossa realidade futura próxima
A economia digital não é diferente de um sistema matemático, pois antes percebida como um conjunto aleatório de regras, caos global de normas sem previsibilidade e sem segurança ou integridade jurídica, torna-se, na verdade, um sistema jurídico e econômico independente de estado não linear organizado. O sistema não precisa ser linear para funcionar, pois precisamos apenas dos princípios intrínsecos que são baseados em seu próprio comportamento.
Então, por que não um caos matematicamente organizado como um sistema econômico e jurídico verdadeiramente global funcionando dentro de nossa “sociedade” interconectada? Para evoluir nesse caminho, novas tecnologias disruptivas estão constantemente surgindo.
O tradicional project finance era um financiamento de longo prazo de um investimento de capital independente, que são projetos com fluxos de caixa e ativos que podem ser claramente identificados. Entre os exemplos de financiamento de projetos, tivemos construção, mineração, petróleo e gás e edifícios e construções.
Esses projetos de grande porte foram submetidos a uma série de desafios, incluindo questões de estruturação e financiamento; regulamentações governamentais; construção, matéria-prima, offtake e outras questões contratuais; legislação local e outros elementos de ordem cruzada, incluindo riscos políticos.
Esses tipos anteriores de financiamento eram muito grandes para lidar com empresas de médio porte – o que o restringia a grandes corporações.
Blockchain e tokenização vieram, entretanto, para mudar esse cenário, posto que com o crescimento dessa solução, o financiamento de projetos transfronteiriços com custo incrivelmente baixo, com disseminação mais fácil e capitalização e expansão rápidas tornou-se viável para diversos tipos de negócios.
No entanto, a tokenização de ativos exige que um profissional do direito adaptado a esse novo ambiente e com conhecimento em direito digital feche as lacunas e enquadre contratualmente todas as questões e objeções que possam surgir, além de evitar lavagem de dinheiro, esquemas de pirâmide e problemas de proteção de dados dentro do projeto.
Uma das principais questões do digital project finance e tokenização de ativos é a oferta. Enquanto algumas nações podem enquadrar e restringir a oferta pública, outras podem permitir, cabendo ao advogado da economia digital reunir a equipe de marketing e a equipe de tecnologia, enquadrando excessos e sanções ou evitando multas que possam prejudicar o projeto completo. No Brasil por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) restringe a oferta pública, sendo necessário um registro prévio. Porém, por enquanto, temos apenas o Parecer de Orientação nº 40 da CVM, algo ainda bastante preliminar.
Precisamos considerar que o direito e a economia são partes fundamentais da sociedade, enquadrando todos os deveres dela, independentemente de seus avanços. A lei é a metatecnologia crucial para essa sociedade algorítmica e baseada em dados em que vivemos, onde as forças do mercado estão remodelando as normas sociais. O direito – e se podemos acrescentar a economia – são reflexos das sociedades, agora espelhando e enquadrando um sistema de caos matemático-legal harmonizado, no qual soluções como blockchains e as tokenizações surgem para enquadrar as novas necessidades, bem como financiar novos empreendimentos.
Uma vez estabelecido, o sistema aparentemente caótico revela um sistema financeiro muito mais coerente, onde o poder é realmente distribuído sem esforço. De fato, o impacto dessa mudança tecnológica monetária é mensurável e duradouro.
Os impactos legais desse sistema econômico descentralizado são enormes, mas fazem parte de nossa realidade futura próxima, e isso precisa ser tratado pelos reguladores e pelo direito, de forma a organizar o caos da economia digital.
Matheus Puppe é sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados e membro do GT de Compliance do CNJ e do Comitê de Integridade do Poder Judiciário (CINT).