Reportagem do Estadão abordou a pressão que entidades do setor varejista têm feito para que se que estabeleça um modelo de taxação sobre sites estrangeiros de e-commerce como Shein, Shopee e AliExpress, a fim de melhorar o ambiente competitivo. O Dr. Marcos Correia Piqueira Maia, sócio do Maneira Advogados, foi ouvido para comentar o assunto.

Varejistas pedem taxação de Shein, Shopee e AliExpress e cobram ações do governo e Congresso

24 de fevereiro, 2023

Por João Scheller

Representantes do setor estimam que evasão fiscal devido à presença de sites estrangeiros no País pode chegar a R$ 14 bilhões anuais; empresas estrangeiras afirmam cumprir a legislação brasileira

Entidades do setor varejista têm pressionado o governo federal e o Congresso na tentativa de melhorar a competição com e-commerces estrangeiros que passaram a atuar no mercado de vendas online no Brasil. Empresas nacionais vêm se sentindo prejudicadas por sites como Shein, Shopee e AliExpress, alegando que eles não pagam tributos e tampouco respeitam regulamentações de segurança e antipirataria no País.

A estimativa de representantes do setor é que a evasão fiscal por conta desse cenário gire em torno de R$ 14 bilhões anuais. Com o aumento das vendas, a situação vem piorando, dizem as entidades. Questionadas sobre a cobrança de tributos, porém, a AliExpress, a Shopee e a Shein afirmam que atuam conforme as regras e os regulamentos estipulados pela lei brasileira.

De acordo com as varejistas brasileiras, o problema ocorre, principalmente, por causa do atual esquema de tributação na importação de produtos. Compras internacionais entre pessoas físicas são isentas de taxas até o valor de US$ 50. Muitas vezes, vendas em plataformas estrangeiras são consideradas transações deste tipo.

“Nas operações B to C (business to consumer), onde você tem uma pessoa jurídica de um lado, no caso, as plataformas internacionais, e os consumidores brasileiros do outro, não é legal este tipo de operação”, defende Edmundo Lima, porta-voz da Associação Brasileira de Varejo Têxtil (Abvtex).

A situação tem feito com que representantes do setor acusem a participação dessas empresas no mercado como uma espécie de concorrência desleal. Com sites e apps traduzidos para o português e opções de pagamento iguais às das varejistas nacionais, os consumidores têm a mesma facilidade de compra em e-commerces estrangeiros do que nas versões digitais de varejistas nacionais.

“Gera uma concorrência desleal com os e-commerces situados aqui no Brasil, que estão regulados, que têm estoque e têm de cumprir com a legislação tributária e trabalhista”, afirma Mauro Francis, presidente da Associação Brasileira de Lojistas Satélites (Ablos), que reúne os principais varejistas brasileiros.

Segundo ele, conversas já vêm sendo realizadas com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar chegar a um acordo.

“A gente tinha uma perspectiva de avançar isso com o governo anterior, que acabou colidindo com o período eleitoral. Nossa expectativa é que um novo governo tenha uma atenção especial com relação ao tema”, afirma Edmundo Lima.

Além disso, mesmo operações que, por lei, deveriam ser taxadas, muitas vezes escapam do esquema de tributação por conta do alto volume de produtos na alfândega, dizem as varejistas. Assim, parte considerável das transações de sites com marketplaces localizados no exterior não pagam nenhum tipo de imposto para vender para o público brasileiro.

A situação não é nova. A chinesa AliExpress, por exemplo, opera desde 2010 e tem uma versão de seu site em português desde meados de 2013. A Shopee, de Singapura, opera no País desde 2019, e a chinesa Shein comercializa seus produtos no Brasil desde 2020.

Com a chegada da pandemia e o boom de compras on-line, porém, o volume de vendas explodiu, assim como as reclamações dos varejistas.

Para se ter uma ideia, um estudo de 2021 do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) coordenado pela consultoria McKinsey estima que a evasão tributária do varejo digital em 2020 girava em torno de R$ 20 bilhões anuais. Destes, 70%, ou cerca de R$ 14 bilhões, eram somente de e-commerces estrangeiros.

A situação ganhou ainda mais força após a chegada da gigante de fast fashion chinesa Shein. A empresa começou a operar no País em 2020 e, desde então, tem visto as vendas saltarem entre os consumidores brasileiros.

Nos últimos meses, a empresa tem feito ações com lojas físicas, no formato pop-up (temporário), tentando conquistar um maior número de clientes. Este ano, a Shein pretende inaugurar cinco lojas no mesmo formato.

Para além dos tributos

“Se fosse uma empresa, haveria todo um procedimento de importação. Você tem de ter as licenças, inscrição na Receita Federal, uma série de coisas. Independentemente do valor”, explica o advogado Francisco Lima, sócio da Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

Ele diz que varejistas localizados no Brasil têm de cumprir com toda a legislação vigente no País, além de pagar tributos sobre toda a cadeia de produtos comercializados. E cita que uma calça que custe R$ 100 em um site chinês teria de ser vendida por cerca R$ 150 por um varejista nacional para incluir todos os impostos estaduais e federais.

Além dos problemas tributários, os varejistas alegam que os e-commerces internacionais também não respeitam as normas técnicas para venda de produtos, além de abrirem espaço para a comercialização de produtos falsificados nas plataformas.

“Afeta a concorrência, já que as empresas têm uma preocupação em relação à origem dos produtos, não comercializam produtos falsificados, além de todo o cumprimento da legislação vigente em relação à etiquetagem e à saúde e segurança do consumidor”, explica Edmundo Lima, da Abvtex.

Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, afirma considerar que a situação atual é uma “evolução tecnológica do que a gente tinha antigamente com o camelô”. “Agora, o consumidor consegue comprar diretamente da China. Ficou muito fácil comprar”, complementa.

Em relação às normas técnicas para a venda de produtos, a AliExpress diz que monitora “qualquer produto suspeito que possa desrespeitar os direitos intelectuais”.

Já a Shopee diz que toma “medidas proativas para impedir que tais produtos sejam listados no marketplace”.

Também em nota, a Shein afirma exigir que seus fornecedores “cumpram todos os parâmetros legais, sigam estritamente nosso Código de Conduta, bem como a política da empresa, certificando-se que seus produtos não infrinjam a propriedade intelectual de terceiros”.

Problema global

Apesar de a discussão sobre a tributação de produtos importados estar relacionada à legislação nacional, o problema não está restrito ao Brasil. Outros países enfrentam dilemas relacionados à era digital com leis pensadas para um mundo analógico.

“Não existe ainda uma resposta clara e óbvia, porque você está envolvendo a importação de pessoas físicas, o leque aumenta muito e dificulta a fiscalização”, explica o advogado Marcos Maia, sócio do escritório Maneira Advogados.

“Um dos principais pontos diz respeito à definição da responsabilidade pelo pagamento dos tributos, ou seja, quem será o responsável por recolher os tributos específicos sobre a venda aos cofres públicos”, explica.

Representantes do setor, por exemplo, defendem que empresas estrangeiras com nível operacional relevante no País tenham de abrir escritórios no Brasil para que possam cumprir com a legislação tributária. Outros defendem uma maior fiscalização e rastreamento do processo de compra.

“As transações são feitas através de um meio de pagamento digital, ou é Pix, ou cartão de crédito, ou uma transferência. Então, precisamos achar um caminho para seguir esse dinheiro e poder taxar da forma correta a transação”, defende Gonçalves Filho, do IDV.

https://www.estadao.com.br/economia/negocios/sites-asiaticos-brasil-varejistas-competicao-nao-justa/

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