O site do Estadão publicou artigo assinado pelos Drs. Eduardo Maneira e Marcos Correia Piqueira Maia, sócios de Maneira Advogados, que trata do imposto de exportação sobre operações do setor de óleo e gás.
O imposto de exportação e o setor de óleo e gás: mais um passo na contramão do desenvolvimento
Eduardo Maneira, Professor de Direito Tributário da UFRJ e sócio do escritório Maneira Advogados.
Marcos Correia Piqueira Maia, Doutorando em Direito Tributário na Universidade Complutense de Madrid e sócio do escritório Maneira Advogados.
Em fevereiro do presente ano, o governo federal editou a MP nº 1.163/23 para, com fins puramente arrecadatórios, estabelecer um novo e surpreendente gravame fiscal sobre o setor de óleo e gás, que é um dos motores da economia nacional, sendo indispensável para o equilíbrio orçamentário e a geração de empregos de vários entes federados. Em seu art. 7º, a citada MP nº 1.163/23 impôs aos contribuintes, até 30/06/23, o pagamento de uma alíquota de 9,2%, a título de Imposto de Exportação, sobre todas as operações com óleo bruto de petróleo e minerais betuminosos destinadas ao exterior.
Contra essa novel exigência, foram apresentadas três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI nº 7362, da Associação Brasileira de Empresas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás – ABEP; ADI nº 7359, do Partido Liberal; e ADI nº 7360, do Partido Novo) que se encontram reunidas sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes no STF, aguardando julgamento no Plenário.
Todavia, basta uma simples leitura do texto contido na MP nº 1.163/23 para se constatar a inconstitucionalidade dessa exação por diversos motivos, sendo que um ponto merece destaque especial: o seu perfil eminentemente “fiscal”, o qual foi confessado pelo governo federal na exposição de motivos da MP nº 1.163/23, em que deixou claro que o referido gravame objetiva gerar uma receita de R$ 6,65 bilhões para compensar os gastos de R$ 6,61 bilhões em decorrência da desoneração fiscal das operações internas com combustíveis.
Ou seja, ao invés de ser utilizado com um viés extrafiscal, vale dizer, como um artifício para induzir ou inibir comportamentos, o Imposto de Exportação foi empregado aqui como um mero instrumento de arrecadação. Nesse ponto, cabe fazer uma observação relevante: todos os tributos, em última análise, possuem sempre uma função “fiscal”, isto é, geram receita para os cofres públicos. Ocorre que existem tributos que, diferentemente dos demais, vão além e precisam ostentar um necessário caráter extrafiscal, que deve sobressair em relação à finalidade arrecadatória.
É o que ocorre com o Imposto de Exportação.
Afinal, a Constituição o excetua de três das mais importantes limitações constitucionais ao poder de tributar, quais sejam, os princípios da legalidade, da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal (arts. 150, §1º, e 153, §1º). E a razão para tanto é a seguinte: o constituinte o considerou como sendo um instrumento de intervenção na ordem econômica e social, de modo que a agilidade na sua implementação precisa ser uma de suas características fundamentais, haja vista que existem situações que demandam uma atuação imediata por parte do Poder Público – constatação que, por si só, já revela o perfil extrafiscal da exação em comento.
Ainda nessa linha, é cediço que a Constituição também encampou o “princípio do destino”, aplicável às transações no âmbito do comércio internacional, que exige a exoneração total das exportações de bens e serviços para que, desse modo, se evite que o país “exporte” tributos, mantendo a competividade do produto nacional no exterior. Logo, a oneração das exportações é realmente uma exceção no ordenamento, o que confirma a referida natureza do Imposto de Exportação, que decorre da interpretação do próprio texto constitucional.
Logo, impor o pagamento do Imposto de Exportação com fins exclusivamente arrecadatórios, como fez a MP nº 1.163/23, é fugir por completo da natureza que o próprio constituinte atribuiu à exação.
E, como ponto central dessa discussão, temos ainda o disposto no art. 26 do Código Tributário Nacional – diploma responsável por delinear o fato gerador do IE -, segundo o qual o imposto em questão só pode ser manejado para se atender a “objetivos da política cambial e do comércio exterior“. Certo ou errado, é o que impõe o CTN, fato que não deixa dúvidas quanto ao mencionado caráter extrafiscal do Imposto de Exportação, visto que somente pode ser instituído quando o governo federal pretender atingir objetivos relacionados a essas duas finalidades.
Diante disso, verifica-se que a utilização do IE pela MP nº 1.163/23 não atende às determinações do art. 26 do CTN; afinal, não se pretende estimular a formação de reservas externas para se manter o controle monetário, nem desestimular a exportação de determinado produto ou reagir contra uma conduta de determinado país ou bloco econômico. Pelo contrário. O que se extrai da MP nº 1.163/23, e da sua exposição de motivos, é a existência de uma finalidade tipicamente fiscal, pois visa apenas cobrir o déficit da desoneração interna dos combustíveis.
E mais: ainda que houvesse um pretenso fim extrafiscal, esse não se amoldaria, sob qualquer ângulo em que se analise o tema, aos objetivos do art. 26 do CTN. Controle da inflação no país (indiretamente, por meio do subsídio à desoneração dos combustíveis) não é medida de política cambial ou comércio exterior. Igualmente, alegar, como já fez o governo federal, que o imposto está sendo instituído para se incentivar o refino nacional não procede. Ora, onde está o programa oficial para construção de refinarias de petróleo que sejam suficientes para se atender à imensa produção nacional? Esses quatro meses de vigência do tributo serão suficientes para que sejam criadas as novas refinarias? Ou, por outro lado, devem as empresas diminuir a produção nacional para que se possa refinar 100% do óleo extraído no país?
O equívoco na utilização da exação está nítido. E, ainda que o art. 153, §1º, da Constituição tenha autorizado o Poder Executivo a manejar as alíquotas do imposto nos “limites estabelecidos em lei“, essa deverá sempre observar os contornos do fato gerador dado pelo art. 26 do CTN, em respeito ao art. 146, III, “a”, da própria Carta Magna. Tais finalidades ali previstas não podem ser simplesmente ignoradas por uma medida provisória, pois representam a fronteira da hipótese de incidência do tributo, de modo que ir além implicaria a aprovação de projeto de lei complementar no Congresso Nacional que altere a redação do citado dispositivo do CTN.
A situação, como se vê, é gravíssima, até porque vai na contramão da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/97), que buscou abrir o mercado nacional para investidores privados – de forma a ampliar a produção de óleo e gás no País por meio da quebra do monopólio da Petrobras -, e que prejudica diretamente a pretensão dos estados e municípios produtores de estimular o desenvolvimento do setor visando a geração de renda e a criação dos empregos perdidos nos últimos anos.
Todo o setor, portanto, aguarda uma posição da Suprema Corte, que terá a palavra final sobre o tema. Espera-se que seja reconhecida a inconstitucionalidade da novel exação, de forma a garantir a estabilidade e a segurança jurídica necessárias ao crescimento econômico do País.