Reportagem do jornal O Globo abordou o impacto da reforma tributária sobre os pequenos empreendedores. O Dr. Eduardo Maneira, professor da UFRJ e sócio do Maneira Advogados, foi ouvido para falar sobre o assunto.
Simples ou MEI: como a Reforma Tributária mexe com a vida dos pequenos empreendedores?
Regimes especiais foram mantidos no texto da aprovado pela Câmara, mas créditos tributários podem mudar custo-benefício
Por Ivan Martínez-Vargas — São Paulo
12/07/2023
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A Reforma Tributária aprovada pela Câmara dos Deputados propõe manter os regimes de tributação para microempreendedores individuais (MEIs) e também para optantes do Simples Nacional. Juntas, as categorias formam a maioria das pessoas jurídicas do Brasil. No caso do Simples, no entanto, há mudanças nos créditos tributários gerados quando uma empresa desse regime tributário fornece bens ou serviços a outra que não está no Simples.
De maneira geral, a Reforma Tributária vai substituir cinco tributos do atual sistema (os federais PIS, Cofins e IPI, o estadual ICMS e o municipal ISS). No lugar, serão implementados dois novos impostos: a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja arrecadação ficará com estados e municípios. Ambos compõe o chamado IVA dual e são cobrados apenas no destino das mercadorias e serviços.
Além disso, são desenhados para gerar créditos tributários com o objetivo de zerar o imposto nas cadeias produtivas, ou seja, para que apenas o consumidor pague o tributo e as cobranças feitas na produção e na distribuição sejam neutralizadas.
O Simples é o regime tributário destinado a pessoas jurídicas com receita bruta anual até R$ 4,8 milhões. Reúne em uma alíquota única o pagamento de oito impostos (IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a contribuição previdenciária) e tem seis faixas distintas, com alíquotas que variam de 4,5% a 30%. Já os microempreendedores individuais têm faturamento anual de até R$ 81 mil.
Se o texto da Reforma Tributária for aprovado pelo Senado tal como está, a mudança mais relevante vai se dar para o Simples. As empresas dessa modalidade poderão continuar pagando as alíquotas únicas e simplificadas, mas terão também a opção de pagar as alíquotas-padrão de IBS e CBS, que não foram estipuladas e ainda serão definidas em lei complementar.
As empresas que fizerem essa opção vão tirar os dois novos tributos da cesta do Simples. A diferença entre as duas possibilidades, de acordo com o Ministério da Fazenda e com especialistas, é o impacto nos créditos tributários.
Como é hoje
Fernando Facury Scaff, professor da Faculdade de Direito da USP, explica que hoje já existe a possibilidade de créditos tributários gerados por empresas do Simples, especialmente no âmbito federal. Dos 10% de alíquota única pagos por uma empresa desse regime, por exemplo, 11,51% são referentes à Cofins e 2,49% ao PIS.
— Quem não adere ao Simples hoje, mas compra de quem está no Simples, pode ter créditos plenos de impostos federais como PIS e Cofins. Ou seja, a empresa que fornece paga uma alíquota menor, mas gera o crédito cheio (para seu cliente). É uma distorção no sistema que tem a finalidade concorrencial de não prejudicar empresas do Simples — explica Scaff, acrescentando que esses créditos podem ser usado para abater o recolhimento de impostos.
Opção 1: continuar no Simples e pagar a alíquota simplificada
Pelo texto da reforma, quem optar por recolher o IBS no âmbito do Simples, ou seja, na alíquota única que já existe hoje, não pode receber créditos e “transfere como crédito apenas o que for recolhido no Simples”, segundo o Ministério da Fazenda. Nessa modalidade, portanto, o crédito deixaria de ser pleno e passaria a ser proporcional.
— Após a reforma, quem se mantiver pagando os tributos dentro do Simples, só vai transferir créditos proporcionais para outras empresas, sendo que hoje transfere os créditos de PIS e Cofins como se o pagamento fosse pela alíquota cheia. Na nossa visão, vai deixar de ser interessante comprar de micro e pequenas empresas nesse regime — afirma Sandra Manata, economista da Fecomercio SP. A entidade critica o texto.
Opção 2: continuar no Simples e pagar a alíquota-padrão de IBS e CBS
A segunda opção das empresas do Simples é deixar de recolher IBS e CBS na cesta de tributos e fazer o pagamento desses tributos pela alíquota-padrão, que ainda não foi definida.
Se optar por recolher o IBS fora do Simples, a empresa se credita normalmente e também transfere como crédito o IBS recolhido, segundo o Ministério da Fazenda.
“A situação das empresas enquadradas no Simples vai melhorar, pois elas poderão optar pelo recolhimento do IBS pelo regime normal, mantido o Simples para os demais tributos. Neste caso, poderão transferir créditos no montante cobrado a título de IBS e CBS” diz a pasta, em nota ao GLOBO.
Para o tributarista Eurico de Santi, professor da FGV Direito e membro da think thank Centro de Cidadania Fiscal, essa opção pode ser vantajosa para muitos contribuintes.
— A avaliação deve ser no caso a caso. Uma empresa optante do Simples que optar por pagar o IBS por fora vai poder abater créditos de tudo o que ela compra de insumos, por exemplo — explica ele.
De Santi participou do grupo de técnicos que elaborou a primeira versão da PEC 45, que deu origem ao texto da Reforma Tributária aprovado pela Câmara.
— Pode ser que, em alguns casos, seja interessante para uma determinada empresa optante pelo Simples pagar o IBS com a alíquota cheia porque o cliente dela quer ter créditos tributários, por exemplo. Vai ser uma questão de mercado — diz Eduardo Maneira, tributarista e professor da UFRJ.
Para Sandra Manata, essa opção de recolher IBS e CBS por fora do Simples vai significar “recolher mais imposto do que hoje e ter mais obrigações acessórias”.
Como vai funcionar o IBS
Pelo desenho do tributo, o novo imposto será não cumulativo, isto é, os contribuintes descontarão os valores já pagos ao longo da cadeia e só vão recolher o imposto relativo ao valor agregado na sua etapa do processo, explica de Santi. A governança do imposto será feita pelo Conselho Federativo, com a participação dos estados e municípios.
— Quem paga a carga tributária é o contribuinte final, quem exerce atividade econômica e está inscrito no IBS não paga o imposto — afirma Eurico de Santi, acrescentando que as etapas da cadeia produtiva recolhem o imposto e geram crédito.
Numa simulação da cadeia da produção à venda de um par de sapatos, por exemplo, o imposto funcionaria da seguinte maneira, considerando uma alíquota-padrão de 25% (cifra avendada pela área econômica do governo):
- Etapa 1: um fornecedor vende insumos a uma indústria. Se o valor do serviço é R$ 100, o imposto a ser recolhido deve ser de R$ 25 e o preço, portanto, R$ 125.
- Etapa 2: a indústria revende o produto a uma distribuidora. O valor do par é R$ 200, o imposto a ser recolhido deve ser de R$ 50. Como R$ 25 já foram recolhidos na etapa anterior, nesta haverá o recolhimento adicional de R$ 25. O valor total é R$ 250.
- Etapa 3: a distribuidora vende o produto a uma rede varejista. Para um preço de R$ 400, o imposto a ser recolhido deve ser de R$ 100. Como R$ 50 já foram recolhidos nas etapas anteriores, nesta haverá o recolhimento adicional de R$ 50. O valor total é R$ 500.
- Etapa 4: a loja vende o produto. Para um preço de R$ 800, o imposto a ser pago é R$ 200. Como R$ 100 foram recolhidos nas etapas anteriores, nesta haverá o recolhimento de mais R$ 100. O preço final é de R$ 1.000.
- Fim do ciclo: O consumidor pagou R$ 1.000 no par de sapatos, sendo R$ 200 de impostos. Esse montante corresponde à soma dos tributos recolhidos nas etapas anteriores. Neste caso hipotético: R$ 25 + R$ 25 + R$ 50 + 100.