A Folha de S.Paulo publicou artigo assinado pelo Dr. Eduardo Maneira, sócio fundador de Maneira Advogados, que faz uma análise do texto da reforma tributária aprovada pelo Senado.
IVA à brasileira (em 2033)
Haverá um longo período de transição, sob a coexistência de dois sistemas
Eduardo Maneira
Professor de direito tributário da UFRJ, é ex-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB e coordenador de Direito Tributário da ESA Nacional
Enfim, após 30 anos de debates, foi aprovado no Senado, em dois turnos, uma reforma tributária: a PEC 45/2019, que retorna à Câmara para que sejam apreciadas as mudanças pontuais. De qualquer modo, há uma legítima expectativa de que teremos, ainda neste ano, a aprovação de um sistema tributário que irá aproximar o Brasil do mundo ocidental na tributação do consumo.
O atual sistema que está sendo reformado é complexo, ultrapassado e uma verdadeira fábrica de litígios e insegurança jurídica, baseado em um mundo analógico em que o conceito de mercadoria, por exemplo, está vinculado à ideia de bem corpóreo comercializável.
O Brasil tributa o consumo de modo fatiado. Os municípios (mais de 5.500) exigem o ISS, os estados o ICMS e a União o IPI, além do PIS e da Cofins. O resultado disso é um excesso sem precedentes no mundo de legislação municipal, estadual e federal, além de obrigações acessórias que consomem centenas de horas anuais dos departamentos fiscais das empresas, litígios administrativo e judicial que chegam à casa dos trilhões e de um inevitável conflito entre os entes tributantes.
O texto aprovado extingue cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) e cria um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual —na maioria absoluta dos países o IVA é único— para atender às características do nosso federalismo: a) um federal, que é a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços); e b) um compartilhado entre estados e municípios, chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Autoriza ainda a União a criar o Imposto Seletivo (IS) sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Ou seja, estamos trocando cinco por três —o que não é muita coisa em termos de quantidade, mas que pode ser um grande passo em qualidade.
A nova tributação do consumo terá as seguintes características: a) base mais ampla, evitando o atual conflito de competências entre os entes federativos; b) cobrança no destino —o que praticamente elimina a guerra fiscal entre os estados; c) o crédito será financeiro, fortalecendo a não cumulatividade; d) fim das políticas de benefícios/renúncias fiscais; e) cobrança por fora —ao contrário de hoje, em que o valor do imposto está embutido no valor da mercadoria (o que dará mais transparência); e f) menor variedade de alíquotas, com as exceções previstas constitucionalmente.
Será instituído um comitê gestor do IBS, composto por 27 membros dos estados e 27 dos municípios e Distrito Federal, que tratará da gestão administrativa do novo imposto.
Haverá um longo período de transição —o que levará à coexistência dos dois sistemas até 2032, e muita matéria foi remetida para a futura lei complementar. Então, nada de novo ocorrerá em 2024 e 2025, a não ser a regulamentação por lei complementar de um sistema que começará a ser implementado em 2026.
O novo modelo não será tão simples quanto se imaginava. Ademais, os litígios não irão se encerrar em um passo de mágica. De qualquer modo, o novo sistema será muito melhor e mais racional do que o atual. Teremos, em 2033, um IVA à brasileira, mas um IVA. Vale comemorar.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/12/iva-a-brasileira-em-2033.shtml