2024: o ano da tributação em transição
Interessante notar como as discussões constitucionais-tributárias deixaram de ser binárias para permitir que o STF possa intermediar soluções para acomodar as partes, chanceladas por um selo de constitucionalidade
Por Eduardo Maneira
O ano de 2024 consolida uma posição do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação às lides tributárias: as audiências públicas e as câmaras de conciliação. A prática se iniciou em 2022, na ADI 7191, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que homologou acordo de compensação das perdas do ICMS sobre combustíveis.
É que a Lei Complementar nº 194/2022, ao considerar combustíveis como bem essencial, para fins de incidência do ICMS, gerou uma significativa perda para os Estados, estimada em R$ 27 bilhões. De outro lado, com a alíquota menor do ICMS, o valor dos combustíveis baixou, refletindo no índice da inflação. Assim, o ministro Gilmar Mendes criou um grupo de trabalho com representantes da União e dos Estados, cujo resultado foi o de manter a carga tributária e compensar os Estados pelas perdas.
Depois dessa exitosa experiência, a conciliação, até então impensável no âmbito de ação de controle concentrado, tornou-se uma realidade. Cito outros três exemplos.
Na ADI 5553, de autoria do PSOL, que questiona os incentivos tributários de defensivos agrícolas, o plenário do STF decidiu suspender o julgamento para fixar um prazo de 90 dias, depois alargado para 180 dias, para que o Poder Executivo da União e dos Estados, apresentem em relação ao IPI e ao ICMS, respectivamente, avaliações sobre a política de benefícios fiscais, com seus objetivos e resultados.
Na ADI 7633, em que se discutia a constitucionalidade da prorrogação da desoneração da folha, o Supremo concedeu prazo para que o Congresso Nacional, o setor produtivo e o governo federal chegassem a um termo quanto ao cumprimento das regras de renúncia fiscal.
Solução semelhante foi adotada na ADI 7353, em 2023, em que se pedia a declaração de inconstitucionalidade da reinstituição do voto de qualidade no âmbito do Carf, e na qual o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou ao ministro Dias Toffoli o pedido de reconhecimento da constitucionalidade da norma, desde que fossem cumpridos pressupostos constantes de acordo feito entre a OAB e o governo federal. Manteve-se o voto de qualidade a favor do Fisco, mas assegurou-se ao contribuinte garantias antes não previstas, sendo a mais relevante a exclusão da multa, na hipótese da derrota se dar pelo voto de qualidade.
Interessante notar como as discussões constitucionais-tributárias deixaram de ser binárias para permitir que o STF possa intermediar soluções para acomodar as partes, chanceladas por um selo de constitucionalidade.
O impacto dessa nova função do tribunal ainda há de ser mais bem compreendido e assimilado, mas, pelos precedentes citados, pode oferecer diversas vantagens, como: a) soluções mais ágeis em comparação aos processos judiciais tradicionais; b) acordos que se adaptam às necessidades das partes envolvidas; c) a promoção de soluções consensuais contribui para a diminuição de conflitos.
No tema do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, o Supremo decidiu que “cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574706 (Tema 69/RG)”. Ou seja, aquelas ações ajuizadas entre o julgamento de mérito e transitadas antes do julgamento da modulação de efeitos, poderão ter seus efeitos restringidos em ação rescisória ajuizada pela Fazenda Nacional. Há certos temas que nunca acabam.
É de ser destacado, ainda, o julgamento que reconheceu a validade do Decreto nº 11.374, de 01/01/2023, que revogou o Decreto nº 11.322, de 30/12/2022, que reduzia as alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras (ADC 84 e ADI 7342). Argumentou-se que não haveria ofensa à segurança jurídica porquanto a norma foi revogada no mesmo dia em que produziria efeitos, não criando nenhuma expectativa legítima. Trata-se de julgamento que excepciona a anterioridade tributária e, embora as circunstâncias fáticas sejam peculiares, o precedente é preocupante.
Merece também destaque o julgamento do RE 736.090 que limitou as multas por sonegação, fraude ou conluio a 100% da dívida tributária. Ainda que a Lei nº 14.689/23 já tenha trazido a limitação a 100%, fato é que o precedente impacta em diversas cobranças estaduais que extrapolam o limite.
Ainda vale registrar que o STF decidiu várias questões relativas à imunidade tributária recíproca: 1) Decidiu que uma distribuidora de energia elétrica não tem direito à imunidade de IPTU (RE 1433522); 2) suspendeu a cobrança de IPVA de veículos da Infraero feita pelo Estado de Alagoas (ACO 1621); e 3) impediu o Distrito Federal de cobrar impostos da DataPrev (MC na ACO 3667).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) igualmente teve um ano muito produtivo em matéria tributária. Merecem destaque as seguintes decisões da 1ª Seção: a) a que afastou a tributação de PIS e Cofins sobre as receitas de interconexão de redes das empresas de telefonia (EREsp 1599065); b) a que decidiu que o reembolso de ICMS-ST não gera crédito de PIS e Cofins (EREsp 1959571 e outros); c) que a TUST e a TUSD compõem a base de cálculo do ICMS (ERESP 1163020 e outros); d) que não há crédito de PIS e Cofins sobre frete de veículos para revenda (EREsp 1594428); e) por fim, a decisão que entendeu que integra a base de cálculo do PIS e da Cofins as despesas das instituições financeiras com a contratação e correspondentes bancários (AREsp 2001082).
Sobre a tributação da renda, destaca-se o Tema 1226, em que a 1ª Seção definiu que o stock option plan (SOP) tem caráter mercantil e fixou duas teses: 1) não incide IRPF quando da aquisição das ações junto à companhia; e 2) o imposto incide quando o adquirente vier a vender com ganho de capital. Que venha 2025!
Eduardo Maneira é sócio de Maneira Advogados e professor titular de Direito Tributário da UFRJ.
https://valor.globo.com/legislacao/coluna/2024-o-ano-da-tributacao-em-transicao.ghtml