POR EDUARDO MANEIRA E DANIEL LIMA

Diz-se que na vida nada é certo, com exceção da morte e dos impostos. No Brasil, com o atual estado de insegurança jurídica matéria tributária, pode-se afirmar que nada é certo para as pessoas jurídicas, com exceção da incidência do PIS e da COFINS.

A exacerbada tributação da receita no ordenamento jurídico brasileiro vem se mostrando um verdadeiro tormento para as empresas, na medida em que este tributo é devido: (a) mesmo quando a mesma apresenta mais despesas do que receitas em determinado período (prejuízo); (b) ainda que a empresa sofra com a inadimplência da própria receita contabilizada (como decidiu o Plenário do STF no RE 586.482); e (c), ao menos na visão da Receita Federal, o PIS e a Cofins também são devidos quando se consegue reduzir ou recuperar uma perda.

Ignorando não só as regras materiais de competência que delimitam o âmbito de incidência dos tributos, como também o princípio da capacidade contributiva, a Receita Federal vem defendendo que o perdão de dívidas constitui receita operacional passível de incidência do PIS/Cofins à alíquota de 9,25%.

“REMISSÃO DE DÍVIDA. INCIDÊNCIA DE IRPJ, CSLL, PIS/PASEP E COFINS. A remissão de dívida importa para o devedor (remitido) acréscimo patrimonial (receita operacional diversa da receita financeira), por ser uma insubsistência do passivo, cujo fato imponível se concretiza no momento do ato remitente.” (DISIT, 1ª Região Fiscal, Solução de Consulta nº 17 de 27.04 2010)

Em tempos de grave recessão econômica, que vem levando inúmeras entidades a pedir recuperação judicial, não é difícil constatar que este entendimento pode inviabilizar a própria preservação das empresas.

Ora, a recuperação judicial impõe sacrifícios tanto aos acionistas quanto credores e, inevitavelmente, acarreta o perdão de parte da dívida das empresas. E o que faz o Erário? Se aproveita disso para exigir tributos em situação que não revela qualquer riqueza disponível, contrariando o próprio interesse coletivo relacionado à superação da crise econômico-financeira pela qual passa a empresa.

Mas não é só.

Em solução de consulta recentemente publicada, a Receita Federal sustenta que a recuperação de desfalques decorrentes de superfaturamento no custo de aquisição de ativos (em tempos de lava-jato remete-se imediatamente ao caso da Petrobrás), também deverá ser tributada pelo PIS/COFINS.

“CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP EMENTA: DEVOLUÇÃO DE VALORES À PESSOA JURÍDICA. DECISÃO JUDICIAL. IDENTIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE CRIME NA NEGOCIAÇÃO DE PREÇOS. RECUPERAÇÃO DE CUSTOS. RECEITA TRIBUTÁVEL.

Valores devolvidos à pessoa jurídica que anteriormente foram pagos por ela a terceiros em caráter definitivo no âmbito de negociações empresariais que ocasionaram a aquisição de ativos constituem receitas sujeitas à incidência da Contribuição para o PIS/Pasep no regime de apuração não cumulativa, ainda que se reconheça judicialmente a ocorrência de infrações penais em tais negociações perpetradas por agentes da própria pessoa jurídica juntamente com agentes de terceiros. (COSIT, Solução de Consulta nº 268, de 30.05.2017)”

Ou seja, a empresa já lesada por práticas ilícitas, ao lograr êxito em recuperar parte tais valores daqueles que desfalcaram seu patrimônio será novamente penalizada com a exigência de 9,25% sobre o referido montante. Novamente não é preciso muito esforço para perceber o absurdo desta interpretação.

O argumento para justificar a incidência das contribuições sobre tais valores é pueril: para a Receita Federal, salvo exceções legais expressas, qualquer receita contabilizada deverá ser tributada pelo PIS/Cofins. Esta, contudo, é uma interpretação equivocada e desarrazoada da legislação tributária.

Em primeiro lugar, Receita Federal peca ao equiparar o fato gerador do PIS/Cofins ao conceito contábil de receita. É intuitivo notar que os artigos 1º das leis 10.833/2003 e 10.637/2002 in fine estabelecem que as contribuições incidem sobre a receita, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil.” O Fisco tende a interpretar este dispositivo legal como uma autorização genérica para a incidência do PIS/Cofins sobre todos os valores contabilizados como receita (seja ela financeira, operacional, etc.).

Contudo, o entendimento não se sustenta. Se, de acordo com o aludido dispositivo legal, a incidência das contribuições sobre a receita independe de sua classificação contábil, a melhor interpretação deve ser a de que a classificação contábil é irrelevante, justamente porque receita é um conceito jurídico.

Em outras palavras, não é toda receita contábil que será tributada, mas apenas aquelas que se qualifiquem juridicamente como receita. Da mesma forma, não é porque determinado ganho auferido não foi contabilizado como receita que não será tributado. Embora possa auxiliar a mensuração de eventos econômicos em alguns casos, em outros a forma de contabilização não corresponde à correta representação da hipótese de incidência dos tributos (que pressupõem capacidade contributiva), mormente diante das profundas alterações realizadas no direito contábil pela Lei 11.638/2007, justamente para afastá-lo das normas de apuração de tributos.

Nessa toada, verificada a discrepância entre o fato como retratado pela contabilidade e a sua definição pelo ordenamento jurídico, o primeiro deve ser tido como irrelevante, cabendo conferir efeitos jurídicos apenas ao segundo. Ou seja, a contabilidade não tem o condão de alterar a natureza dos fatos, mas apenas de retratar a realidade encontrada segundo seus propósitos. É por isso que se sustenta que à contabilidade não cabe a definição do conceito de receita enquanto hipótese de incidência tributária.

Em pelo menos duas oportunidades o Plenário do STF já assentou a irrelevância da forma de contabilização das receitas para a dos respectivos efeitos jurídicos. Em primeiro lugar, cabe destacar o RE 606.107 que analisou a incidência de PIS/Cofins sobre créditos presumidos de ICMS, e rechaçou a exação justamente por entender que não há receita tributável, mas mero reembolso de despesas (ainda que contabilizado como receita).

O segundo precedente (RE 627.815) trata da extensão da imunidade do PIS/Cofins às variações cambiais positivas vinculadas a operações de exportação. Naquele julgamento o STF novamente afastou uma pretensa identidade entre o conceito contábil e o conceito constitucional de receita; assim, considerou que as variações monetárias vinculadas a operações de exportação têm natureza jurídica de receitas de exportação, embora contabilizadas separadamente daquelas.

Parece-nos inequívoco que a mera contabilização de determinado evento a título de receita não é suficiente para determinar a incidência das contribuições ao PIS/Cofins (e de nenhum outro tributo) sobre tais valores, sendo absolutamente necessário demonstrar a existência de um ingresso representativo de riqueza nova, que se agregue ao patrimônio do contribuinte.

Aceitar a incidência de PIS/Cofins sobre valores meramente contabilizados como receita implica admitir a tributação de riqueza “de papel”, fictícia, sem vulto econômico, em absoluto prejuízo da capacidade contributiva, que é princípio informador de todo o sistema constitucional tributário (art. 145, §1º da CF/88).

Em conclusão, o artigo 195, I, b, da Constituição Federal e o artigo 1º das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002 devem ser interpretados de forma coerente e integrada ao ordenamento jurídico, de modo a evitar a incidência sobre valores meramente contabilizados como receita, mas que não revelam capacidade econômica apta a suportar a incidência da carga fiscal.

Por: Eduardo Maneira e Daniel Serra Lima

Fonte: Consultor Jurídico

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