Reportagem veiculada no LexLatin mostra que a Anatel tem intensificado as ações para combater a pirataria de TVs por assinatura. O site destacou comentário do Dr. Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade e Proteção de Dados do Maneira Advogados.
Anatel intensifica combate ao gatonet multando pessoa física, mas isso é eficiente?
Por Rosa Ramos
(Foto: Bastian Riccardi – Unsplash)
“Multar indivíduos e compradores pode aumentar a consciência de que esses produtos e serviços não devem ser acessados por meios ilegais, mas não é a maneira financeiramente mais eficiente de tentar resolver o problema”.
Há meses, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou uma luta constante contra as TV Box (conhecidas popularmente como gatonet), os famosos aparelhos que transformam qualquer televisão em smart TV e muitas vezes são usados para acessar serviços ilegais de televisão a cabo e plataformas de streaming, por meio de tecnologia IPTV(sistema operacional que utiliza o protocolo da Internet para permitir o acesso à visualização de aplicativos sob demanda). Uma das medidas mais relevantes que a Agência tomou foi colocada em prática em março deste ano, quando começou a bloquear todos os gatonets que foram detectados e não foram aprovados por eles.
Esse bloqueio (feito com engenharia reversa) não foi feito apenas para proteger os detentores dos direitos autorais dos programas visualizados nas TV Box e os operadores das plataformas (que não recebem qualquer remuneração pelo seu material e serviço quando são transmitidos por IPTV), mas também para salvaguardar os dados pessoais dos utilizadores, uma vez que esses dispositivos, quando não homologados e registrados, são um veículo para os cibercriminosos roubarem informações das redes domésticas em que estão ligados.
É assim que a Anatel vem combatendo a pirataria cometida pelo gatonet, escalando cada vez mais as medidas até o dia 31 de outubro, quando anunciou que decidiu multar uma pessoa em 7,68 mil reais por vender TV Box pirata (ou seja, não homologada pela Anatel). Essa foi a primeira vez que a agência impôs uma penalidade a um indivíduo (até aquele momento penalizava apenas empresas) na sua luta contra a utilização desses dispositivos e as diversas infrações aos direitos de propriedade intelectual que foram cometidas quando são utilizados para consumir ilegalmente material protegido por direitos autorais, o que também prejudica diversos segmentos da economia brasileira (como cinema e eventos esportivos).
Medidas mais duras
Do ponto de vista dos direitos de propriedade intelectual, as principais infrações cometidas com um dispositivo como o gatonet violam os direitos de autor das emissoras, produtoras e outras entidades envolvidas no licenciamento e distribuição de um canal de televisão, “fazendo com que não sejam devidamente remuneradas pelo tais serviços”, destaca Camila Camargo, advogada especialista em propriedade intelectual do Prado Vidigal Advogados,que acrescenta que o uso de aparelhos não homologados também atinge lojas e vendedores que, sem a devida diligência, acabam vendendo esses aparelhos, na maioria das vezes, acreditando que sejam legais e aprovados pela Anatel.
Sobre a multa aplicada a uma pessoa física, Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade e Proteção de Dados do Maneira Advogados, comenta que a decisão do Conselho Diretor da Anatel de multar uma pessoa “representa um importante marco regulatório no combate à pirataria e à violação dos direitos de propriedade intelectual no Brasil”. É também uma medida que reflete a seriedade com que a entidade trata a questão da homologação, “fundamental para garantir a conformidade dos equipamentos com as normas técnicas nacionais e a proteção dos direitos autorais, além de garantir que o Brasil continue a ser um país de baixo risco para grandes empresas internacionais, ao demonstrar o forte combate à pirataria e intensa fiscalização.”
Medidas desse tipo evidenciam o endurecimento das políticas de fiscalização e do escopo de atuação da Agência, medidas destinadas — cabe dizer — a estabelecer um mercado mais justo e seguro que garanta a competitividade global e reduza o risco jurídico do Brasil, em questões como pirataria e violação de direitos no ambiente digital, através da fiscalização.
Alexandre Freire, assessor e relator desses assuntos, disse à mídia que tanto a Anatel quanto outras instituições têm tomado medidas de combate à pirataria e que “os resultados obtidos até agora se mostraram relevantes para a sociedade brasileira, com um aplicativo que inclui tanto plataformas de mercado como fornecedores individuais” e se traduzem numa melhor proteção da saúde e segurança dos consumidores, bem como num maior respeito pela propriedade intelectual.
Quão eficiente é multar cidadãos em vez de empresas?
“Multar indivíduos e compradores pode aumentar a consciência de que esses produtos e serviços não devem ser acessados por meios ilegais, mas não é a maneira financeiramente mais eficiente de tentar resolver o problema, considerando o grande volume de usuários, os esforços para multá-los e o fato de não abordar objetivamente a questão principal da distribuição ilegal”, destaca Camargo.
Na sua opinião, os esforços para bloquear as TV Box ilegais são um passo importante parar a distribuição e caminham de mãos dadas com a identificação dos distribuidores e a aplicação de sanções, mas quanto aos mercados e outros fornecedores, “é urgente estabelecer critérios de devida diligência e correta aquisição antes da aquisição dos produtos, para saber a origem e, o mais importante, garantir que a TV Box foi efetivamente homologada pela Anatel”; para isso, enfatiza, “devem ser feitos esforços para gerar conscientização e responsabilização”.
Puppe explica que, embora multar indivíduos ou compradores possa ter um efeito dissuasório, é mais eficiente concentrar os esforços de aplicação da lei nos distribuidores e vendedores de dispositivos piratas, que são responsáveis pela disseminação mais ampla desses dispositivos ilegais e provavelmente estarão envolvidos em violações mais significativas do que compradores individuais.
“Ao visar essas fontes, a Anatel pode interromper de forma mais eficaz a cadeia de fornecimento e potencialmente reduzir a disponibilidade de dispositivos não conformes no mercado. No entanto, multar alguns utilizadores finais cria um medo geral que irá inevitavelmente reduzir a procura por esses produtos, e menos procura significaria absolutamente menos ofertas.”
A Anatel pode melhorar a aplicação dessas medidas nos mercados e entre os fornecedores físicos, implementando processos de verificação mais rígidos, para que os vendedores garantam que oferecem apenas dispositivos homologados pela Anatel, aumentando as operações de vigilância e inteligência para identificar e direcionar os distribuidores em larga escala, colaborando com provedores de serviços de Internet e autoridades alfandegárias para rastrear e apreender remessas de dispositivos não conformes, diz Puppe.
Além disso, a Agência pode continuar a trabalhar com mercados online para desenvolver melhores algoritmos e mecanismos de comunicação, para detectar rapidamente listas de produtos não conformes e sensibilizar o público para a ilegalidade e os riscos associados à utilização de tais dispositivos, o que pode reduzir a procura. “A incorporação dessas ações pode levar a uma estratégia abrangente que resolva o problema das TV Box ilegais, tanto do ponto de vista da oferta como da procura.”