O jornal O Globo publicou nesta terça-feira (20/6) reportagem que trata da entrada em vigor do marco regulatório das criptomoedas. O Dr. Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, foi entrevistado para comentar o assunto.

Criptomoedas: Marco regulatório entra em vigor hoje. Confira o que muda

Além de maior segurança para investidores, nova regulamentação tem potencial de estimular o mercado de criptoativos no Brasil

Por Letycia Cardoso — Rio de Janeiro

O marco legal dos criptoativos entra em vigor nesta terça-feira. O texto, sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no fim do ano passado, tem o objetivo de definir regras para atuação das corretoras de criptoativos, conhecidas como exchanges, além de instituir punições contra possíveis fraudes. A regulamentação é vista com bons olhos tanto pelas empresas quanto pelos investidores, por proporcionar maior segurança a esse mercado.

O órgão escolhido para regular, fiscalizar e supervisionar a prestação de serviços de ativos virtuais foi o Banco Central (BC). Uma consulta pública deve ser feita pela instituição para entender os principais anseios do mercado. Só depois disso, o BC irá estabelecer condições e prazos — de pelo menos seis meses, segundo especialistas — para adequação.

De acordo com decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última semana, o BC ainda será responsável por autorizar o funcionamento de exchanges e definir os ativos financeiros regulados pela lei 14.478/2022.

João Canhada, fundador da Foxbit, acredita que a definição do regulador pode estimular grandes instituições a participarem ativamente desse mercado:

— Uma vez completamente regulado, esperamos um aumento expressivo de volume institucional dos players brasileiros. Neste momento, o governo brasileiro se coloca na dianteira de centenas de países e processos regulatórios em andamento, sendo espelho para todos os demais.

Na visão do especialista em novas tecnologias Matheus Puppe, do escritório Maneira Advogados, é possível que as regras levem o mercado de criptoativos a sofrer menos com oscilações de preços e especulação.

— À medida que a tecnologia avança, as leis e regulamentos devem evoluir em conjunto para proteger os consumidores e as empresas, ao mesmo tempo em que estes aproveitam as oportunidades que a inovação financeira descentralizada tem a oferecer — diz Puppe.

A partir de agora, o artigo 171 do Código Penal brasileiro, que trata de estelionato, passa a incluir de forma clara o crime de fraude com moedas digitais, com pena de multa e até oito anos de prisão. A medida facilita a punição de pessoas que usem pirâmides financeiras para enganar terceiros e obter vantagem.

O presidente da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), Bernardo Srur, diz que havia uma grande expectativa do setor pela aprovação do marco regulatório. Para ele, além de proporcionar mais segurança e transparência às negociações de ativos digitais, a nova lei promove isonomia entre as exchanges brasileiras e as estrangeiras que atuam no país:

— As empresas que forem atuar para brasileiros precisarão estar em conformidade com a legislação. De forma geral, a lei coloca a mesma regra do jogo para todos, em um mercado que é altamente pulverizado — opina.

Como já há cobranças de taxas, Cássio Krupinsk, CEO da BlockBR, avalia que a regulamentação não implicará custos adicionais para as empresas nem para os clientes.

POTENCIAL DE FOMENTAR O MERCADO

O especialista em Direito dos Negócios, Yan Viegas Silva, do escritório Silveiro Advogados, acredita que a regulação tende a fomentar o investimento no país, em razão de uma maior previsibilidade sobre os limites e responsabilidades de cada player. Também espera menos disputas de poder entre entidades, devido à delimitação prévia entre as competências do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o órgão regulador do mercado de capitais).

— Devido a problemas regulatórios em outros países, é possível que a segurança jurídica estabelecida com a nova lei fomente um ambiente atrativo para novas empresas. Além disso, a fiscalização pelo Banco Central pode dar mais credibilidade às exchanges regularizadas e, como consequência, estimular a migração do investidor para este tipo de ativo — sugere.

Gustavo Blasco, CEO do Grupo GCB, holding do mercado financeiro e de capitais, concorda que mais pessoas podem experimentar aplicar em criptomoedas:

— Essa medida pode atrair novas pessoas interessadas nessa classe de ativos, principalmente aquelas que estavam receosas com a falta de transparência e a pouca supervisão que existia no mercado. Agora, os criptoativos são regulados e supervisionados pelos agentes mais experientes do mercado.

Ao contrário das moedas virtuais, como Bitcoin, permanecem sob o guarda-chuva da CVM ativos representativos de valores mobiliários, por exemplo quando configuram um contrato de investimento coletivo. A definição agradou o mercado, já que a falta de clareza tem sido um problema no exterior.

Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC, a xerife do mercado americano) processou a Coinbase por atuar como uma bolsae corretora sem devido registro para tais funções. Isso aconteceu porque alguns criptoativos foram categorizados como valores mobiliários, e a exchange não tinha permissão para fazer negociações de derivativos, nem outros investimentos do mercado financeiro tradicional.

Para o analista de criptoativos da Nord Research, Luiz Pedro Andrade, a maior preocupação é que a SEC aumente a lista de criptos considerados valores mobiliários e considere também as moedas de maior movimentação, como Bitcoin e Ethereum:

— Movimento preocupante no que tange à evolução do mercado no país, já que os Estados Unidos são um dos países mais relevantes para o volume do mercado de cripto.

Lá, as acusações começam a ser vistas como uma pressão crescente dos reguladores americanos contra as exchanges, fazendo com que estas pensem em deixar o país. A corretora de criptomoedas Crypto.com, por exemplo, informou na semana passada que iria suspender parte das operações nos EUA. Já a empresa de capital de risco Andreessen Horowitz anunciou que pretendia abrir seu primeiro escritório fora dos Estados Unidos, por ver em Londres um ambiente mais acolhedor para empreendedores de criptoativos.

FALTA DEFINIÇÃO SOBRE SEGREGAÇÃO PATRIMONIAL

A nova regra do setor deixou de fora, porém, algo apontado por especialistas como fundamental para a segurança dos investidores: uma definição precisa de segregação patrimonial e de como executá-la.

Em tese, o dinheiro aplicado por cada cliente deveria ficar reservado e disponível para quando este quisesse sacar ou fazer qualquer negociação, mas nem todas as exchanges respeitam isso e acabam usando as quantias para transações em benefício próprio. Esse, inclusive, foi um dos problemas que afetou no passado outras corretoras de criptoativos que vieram a colapsar. Antes de pedir falência, a FTX, por exemplo, admitiu que não mantinha reservas para cobrir as aplicações de todos os investidores.

A Binance.US, que faz parte da maior exchange global de criptomoedas, a Binance, foi acusada neste mês pela SEC, de transferir bilhões de dólares de clientes para uma conta bancária de uma empresa controlada pelo fundador do grupo, Changpeng Zhao. Esses fundos teriam sido enviados a terceiros, a fim de comprar e vender criptomoedas. O anúncio provocou uma corrida para retiradas. Em um intervalo de 24 horas, foram sacados em torno de US$ 790 milhões.

Embora a Binance tenha informado que a questão não afetava os usuários brasileiros, muitos ficaram com receio e preferiram abandonar a exchange. O empresário Guilherme Monteiro, de 32 anos, costumava comprar criptoativos na Binance. Porém, diante dos rumores, tem optado por fazer a compra em outras empresas menores. Depois de converter os dólares em Bitcoin, transfere os recursos imediatamente para sua carteira off-line, para não correr riscos.

— Se você compra a moeda e não pode sacar, ela é só uma promessa. Eu compro e tiro no mesmo dia. Eu sou o custodiante. É como se eu tivesse uma moeda de ouro no bolso — comenta.

O sistema, também conhecido como cold wallet, é recomendado por especialistas em segurança digital. Através de uma espécie de pen drive, o investidor consegue tirar sua moeda digital das mãos da corretora, evitando ter o saque impedido em caso de insolvência da empresa.

O fotógrafo e sócio da produtora aBodega, Nelson Saldanha, de 34 anos, que aplicou R$ 10 mil em criptoativos em 2021, também correu para retirar os valores quando soube da acusação da SEC contra a Binance.US. Por conta da desvalorização dos ativos, recuou ao ver que teria prejuízo.

— Agora, estou providenciando um hardware wallet para transferir minhas criptos e não deixá-las sob custódia da Binance — conta.

De acordo com Vanessa Butalla, diretora executiva de jurídico, regulatório e compliance do Mercado Bitcoin, a exchange percebeu aumento no volume de entrada de cripto nas contas de clientes. Para aproveitar a oportunidade, a corretora divulgou tutoriais para explicar como transferir criptos de outras empresas.

— Estimulamos o cliente a trazer seus fundos para cá, garantindo que todo o dinheiro dele está separado do patrimônio da empresa – explica a diretora executiva do Mercado Bitcoin.

https://oglobo.globo.com/economia/financas/noticia/2023/06/criptomoedas-marco-regulatorio-entra-em-vigor-hoje-confira-o-que-muda.ghtml

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