Reportagem da Folha de S.Paulo ouviu o Dr. Eduardo Maneira, presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB, a respeito da proposta do governo de tributação dos dividendos.

Taxação de dividendos sofre pressão de advogados, médicos, indústria e mercado financeiro


Entidades planejam flexibilizar um dos pontos de maior impacto na reforma tributária


20.jul.2021

Fábio Pupo
Bernardo Caram

BRASÍLIA

A taxação de dividendos, um dos pontos de maior impacto no projeto de lei que altera o Imposto de Renda, está sob ataque de diferentes entidades setoriais.

Categorias como advogados e médicos, além de representantes da indústria e até do mercado financeiro, querem flexibilizar a proposta para contarem com isenções parciais ou integrais no uso do instrumento.

De acordo com os cálculos da Receita Federal, a tributação de 20% dos dividendos (somada ao fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio) é o item que mais gera arrecadação na proposta do governo (mais de R$ 32 bilhões anuais aos cofres públicos a partir de 2023).

Uma desidratação nesse ponto desequilibraria ainda mais a proposta, cujo impacto líquido nas contas públicas é negativo em quase R$ 30 bilhões por ano.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) planeja intensificar sua articulação no Congresso para criar uma proteção aos profissionais liberais, para que os dividendos recebidos por eles continuem livres.

Pela proposta do governo e do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), o instrumento passaria a ser cobrado tanto nesses casos como para investidores do mercado financeiro (ao investir na Bolsa, por exemplo).

TAXAÇÃO DE DIVIDENDOS

  • Como éA distribuição dos dividendos a acionistas é isenta
  • Como ficariaTributados em 20% na fonte. Haverá uma isenção para até R$ 20 mil por mês, mas desde que a pessoa física receba de micro ou pequena empresa
  • Versão do relatorO deputado Celso Sabino (PSDB-PA) manteve os termos propostos pelo governo, mas retirou a cobrança de dividendos quando a distribuição ocorrer entre empresas do mesmo grupo​

Eduardo Maneira, presidente da Comissão Especial de Tributação da OAB, afirma que a ideia é inserir a isenção a todas as profissões regulamentadas por lei que atuam por meio de pessoa jurídica —o que abrange profissionais liberais como médicos e advogados, além de engenheiros, veterinários, e outros casos. “Tem que haver uma tributação diferenciada”, afirma.

A OAB afirma que a taxação sobre os profissionais acabaria estimulando o uso de artifícios contábeis como o registro de despesas pessoais (como viagens ou jantares) nas contas da empresa, para reduzir o cálculo de tributação dos dividendos.

Para Maneira, se o objetivo é tributar mais esses profissionais, o melhor caminho seria elevar as alíquotas cobradas diretamente das firmas (não da pessoa física acionista).

Outro pleito da OAB é que a isenção de R$ 20 mil por mês seja estendida a empresas de todos os tamanhos (na atual proposta, o benefício vale apenas quando o dividendo é pago por micro e pequenas empresas).

Segundo Maneira, profissionais podem ter o mesmo lucro mensal em tamanhos diferentes de empresas, e por isso ele critica a diferença de tributação a ser gerada pela proposta. “Ou a regra vale para todos ou é injusta”, disse.

Ele nega que a flexibilização estimularia a pejotização porque, em sua visão, profissões como a de advogados precisam atuar muitas vezes em sociedade. “Pejotização é fraude na legislação trabalhista”, afirma.

O relator da proposta afirmou na semana passada que pretende ampliar a isenção para todas as empresas, mas, em contrapartida, reduziria a faixa de isenção de R$ 20 mil para R$ 2,5 mil mensais.

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), vinculado ao CFM (Conselho Federal de Medicina), enviou carta pública ao Ministério da Economia e aos presidentes Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado, e Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, contra a taxação de dividendos.

“O Cremesp não considera nada razoável, sob qualquer ângulo econômico, um projeto que revogue a isenção de dividendos e afete diretamente as pessoas jurídicas médicas, que fazem suas retiradas, justamente, em cima dos lucros dos seus negócios”, afirma a entidade.

Também entre os investidores há pedidos de mudanças. Além da tradicional reclamação sobre a taxação de dividendos representar uma cobrança dupla (porque tributaria recursos distribuídos a partir do lucro da empresa, já tributado), alterações mais específicas são solicitadas.

O ministério tem recebido, por exemplo, demandas para isentar a cobrança de dividendos nas carteiras dos fundos de investimento.

Guedes tem defendido a cobrança sobre dividendos como uma forma de se alcançar os mais ricos, embora ele mesmo tenha flexibilizado sua proposta em parceria com Sabino.

“[A tributação de dividendos é uma] fonte muito bem-vinda do ponto de vista de justiça social. Taxar os super-ricos e financiar a redução de imposto para os assalariados e o fortalecimento do Bolsa Família”, afirmou.

No substitutivo elaborado por Guedes em parceria com o relator, passou a ser isenta a transferência de dividendos entre empresas do mesmo grupo e recursos distribuídos a empresas familiares, usados por pessoas mais ricas para planejamento tributário e sucessório.

Embora tenha acalmado parcialmente os ânimos de empresários com um corte mais intenso no IR da pessoa jurídica (de 15% para 2,5% na alíquota base), o relator continua recebendo demandas setoriais com pressão por novas alterações.

Representantes da indústria, por exemplo, se reuniram com Sabino no fim da última semana e agora preparam um parecer técnico sobre o texto, com sugestões de ajustes.

Eles querem isenção de dividendos também para companhias coligadas —quando há um percentual de participação sem que haja controle.

Novas mudanças também estão em negociação para garantir a adesão de mais empresas ao lucro presumido (modalidade simplificada de apuração do imposto).

O setor de alimentação, com bares, restaurantes e supermercados, teve reunião com Sabino nesta segunda-feira (19) e pediu ajuste no ponto do projeto que elimina a possibilidade de empresas deduzirem o vale-alimentação da base de cálculo do Imposto de Renda.

“Isso gera um certo receio no setor. A linha apresentada pelo setor é de ajuste para encontrar uma calibragem que não seja prejudicial a um programa que hoje garante o alimento ao trabalhador e, ao mesmo tempo, é uma fonte de investimento para o setor”, disse o coordenador da Frente Parlamentar do Comércio, Serviços e Empreendedorismo, deputado Efraim Filho (DEM-PB).

O congressista afirma ainda que o corte de subsídios proposto pelo relator para compensar a perda de arrecadação da proposta pode enfrentar dificuldades no Congresso.

O parecer reduz incentivos tributários às indústrias química, farmacêutica, de cosméticos e de embarcações e aeronaves, além de termoelétricas.

“O custo Brasil é muito alto. Tem que procurar meios para compensar o corte de imposto, mas não dá para essa compensação inviabilizar alguns setores”, afirmou.

O deputado Bohn Gass (PT-RS), líder do partido na Câmara, afirma que a cobrança sobre dividendos é o principal ponto de concordância com a proposta em discussão. Mesmo assim, ele disse que estará aberto ao diálogo com todos os potenciais afetados e diz que a reforma não tributa os realmente mais ricos.

“O mundo inteiro está mostrando que tem que cobrar dos super-ricos e sobre patrimônios. Isso está longe de ser cobrado nessa reforma. Achamos que tem que ter mais progressividade”, disse.

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