Reportagem especial do Valor Econômico mostrou algumas das principais diferenças entre as propostas de reforma tributária que estão neste momento em tramitação no Congresso Nacional. O Dr. Eduardo Maneira foi entrevistado para falar sobre o tema.
Entenda as propostas e diferenças das PEC 45 e PEC 110
Principal ideia da reforma é simplificar o sistema tributário
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
21/03/2023
Estão na pauta do Congresso duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que tratam da reforma tributária: a PEC 45, considerada mais técnica, e a PEC 110, considerada mais política. As duas pretendem substituir o PIS, a Cofins, o ICMS, o ISS e o IPI por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único ou dual, que leve a tributação somente sobre o consumo. O IVA hoje em dia é adotado em mais de 170 países. Esse imposto sobre consumo chamaria Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e seria de cerca de 25% do valor do produto ou do serviço prestado e deve ser direcionado à cidade e Estado onde o produto foi consumido ou o serviço foi prestado, além da União. Ele não incide sobre investimentos e exportações.
As duas propostas também criam um Imposto Seletivo (IS) para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde ou meio ambiente. E ambas propostas permitem um programa de devolução de impostos para a família de baixa renda, ao consumirem (seria uma espécie de cashback). Os dois projetos também mantêm o Simples para empresas de pequeno porte.
A principal ideia da reforma é simplificar o sistema tributário. Com isso, as empresas deverão gastar menos com obrigações tributárias. Isso porque, desde a Constituição de 1988, foram editadas mais de 460 mil normas tributárias no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o que gera dificuldades para as companhias em seguir todas as obrigações. Com a reforma, as pessoas também saberão quanto pagam efetivamente de impostos e para onde esse dinheiro vai.
Tramitação no Congresso
A tramitação mais avançada é da PEC 45, proposta pelo deputado Baleia Rossi (MDB/SP). Ela foi elaborada a pedido de Rodrigo Maia, na época presidente da Câmara, pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), think tank independente que tem como objetivo contribuir para a simplificação do sistema tributário. O projeto tramita desde 2019, já passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara e está pronto para ser votado no plenário.
Já a PEC 110, também de 2019, teve um texto substitutivo apresentado pelo relator, o então senador Roberto Rocha (PTB-MA), em março de 2022, e está pronta para a pauta da CCJ do Senado Federal. A PEC já recebeu mais de 250 emendas.
Diferenças entre PEC 45 e 110
Apesar das semelhanças, as PECs têm algumas diferenças que podem ser decisivas na sua aprovação. Em geral, a PEC 45 acaba sendo mais técnica e a PEC 110 faz mais concessões aos setores envolvidos.
A primeira delas é que na PEC 45 há a proposta de criação de apenas um IBS, que seria dividido entre União, Estados e municípios, de acordo com o local onde o produto é consumido ou serviço é prestado. Já na PEC 110 ficou instituída a criação de dois impostos, um IBS de competência estadual e municipal, e outro IBS de competência federal. A proposta teria sido um pleito da Receita Federal.
Outra grande diferença é que a PEC 45 prevê a adoção de uma mesma alíquota para todos os setores, sem exceção. Já a PEC 110 faz a ressalva aos regimes favorecidos pela Constituição.
A PEC 45 também não permite a concessão de benefícios fiscais, já a PEC 110 traz exceções previstas na Constituição para regimes favorecidos.
A PEC 110 permite regimes favorecidos por meio de isenção ou adoção de alíquotas reduzidas; devolução total ou parcial do imposto aos adquirentes dos bens e serviços e alteração nas regras de creditamento. E ainda que não cite quem são os beneficiários, relator na exposição de motivos menciona o setor agropecuário e de agroindústria, produtos integrantes da cesta básica de alimentos, setor de educação, saúde e transporte público, atividades beneficentes, entre outros.
Ainda não se sabe como a tramitação vai avançar, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad tem se mostrado empenhado em aprovar a reforma tributária e tem se articulado para isso. Além disso, o economista Bernard Appy, nomeado como secretário especial da Reforma Tributária, integrou até o fim de 2022, a equipe do CCiF, entidade que elaborou o texto original da PEC 45.
Opinião de especialistas
De acordo com o diretor do CCiF e professor da FGV Direito SP, onde também é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), Eurico Santi, a PEC 45 e a PEC 110 têm muito mais semelhanças do que dessemelhanças. Mas a PEC 110 acabou ficando mais politizada, já recebeu mais de 250 emendas, e acabou abrindo concessões a setores sobre isenção, alíquotas menores e tratamentos diferenciados. “A nossa ideia com a PEC 45 foi não favorecer nenhum setor, todos pagam igual e sobre todos os produtos e não há isenção, mas quem é de baixa renda pode ter valores devolvidos”, diz.
Na opinião do professor da pós-graduação em direito tributário da Escola de Direito de São Paulo (GVlaw), Carlos Eduardo Navarro, sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, as PECs têm diferenças relevantes como a divisão de dinheiro entre os fiscos, uma vez que a PEC 110 prevê um imposto apenas direcionado para Estados e municípios e outro para a União, o que pode facilitar a tramitação. “O que escutamos é que a Receita Federal quer um imposto só dela”, diz.
Para Navarro, a PEC 110 traz uma harmonização maior dos diferentes interesses, ao prever benefícios fiscais e alíquotas diferenciadas para alguns setores, o que poderia facilitar sua aprovação. Além disso, mantém os benefícios para a Zona Franca de Manaus, o que, se negado, pode gerar dificuldade. “Do ponto de vista técnico acho a PEC 45 mais adequada ao não permitir nenhum tipo de incentivo fiscal. Quando todos pagam, todos pagam menos. Mas existem setores que são muito fortes e que estão atuando no Congresso politicamente”, diz.
Os maiores prejudicados, contudo, com a reforma, em qualquer um dos projetos, segundo Navarro, podem ser os prestadores de serviços para pessoas físicas. Isso porque no caso das prestadoras de serviço para pessoas jurídicas, as empresas poderão depois tomar crédito desses 25% de IBS pagos. Mas no caso de quem presta para pessoa física, a pessoa não tem o que fazer com esse crédito. No caso das pequenas empresas, elas poderão se manter no Simples e não ter aumento de tributação. “Quem presta serviço para pessoa física de fato deve ter tendência ao aumento do preço, pode sofrer uma pressão inflacionária. Mas a maioria está no Simples”, diz.
Já o professor associado de direito tributário da UFRJ Eduardo Maneira, sócio do Maneira Advogados, acredita que a PEC 45, que está com a tramitação mais acelerada, é que deve andar e receber algumas sugestões da PEC 110. “O governo vai se empenhar para aprovar. Ainda mais com o Bernard Appy, nomeado como secretário especial da Reforma Tributária”, diz. Para ele, contudo, só deve ser aprovada, se fizer algumas concessões, como benefícios fiscais ou alíquotas menores para alguns setores. Além dos dois impostos, um para a União e outro para Estados e municípios.