Em artigo publicado no Estadão, os sócios Eduardo Maneira e Eduardo Lourenço fazem uma retrospectiva dos julgamentos mais marcantes em matéria tributária ocorridos ao longo de 2021 no STF.
Retrospectiva 2021 – o STF e o Direito Tributário
Eduardo Maneira e Eduardo Lourenço*
16 de dezembro de 2021
O ano de 2021 foi marcado por muitos julgamentos em matéria tributária no Supremo Tribunal Federal. As sessões virtuais mostraram-se produtivas, com resultados a favor e contra aos contribuintes. A seguir, destacaremos os casos que consideramos mais relevantes.
Em fevereiro foi fixada a tese segundo a qual “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” (ARE 1.294.969).
Também decidiu-se que “é constitucional a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB” (RE 1.187.264). Ainda sobre ICMS, o plenário da Corte afirmou que “a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.” (ARE 1.287.019). Este último caso sofreu modulação temporal dos efeitos da decisão.
Reafirmando a jurisprudência da Corte, foi declarada a inconstitucionalidade de duas taxas de fiscalização estaduais: a) a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização de Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos (ADI 5374); e b) a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Geração, Transmissão e ou Distribuição de Energia Elétrica de Origem Hidráulica, Térmica e Termonuclear (ADI 5489).
Por fim, foi em fevereiro que o STF finalizou o julgamento da ADI 1945, que questiona lei mato-grossense que exigia ICMS sobre softwares. A Corte acabou por decidir que incide o ISS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador. O interessante neste caso é a modulação, que talvez tenha sido uma das com maiores opções de enquadramento para fins de definição da validade da declaração de inconstitucionalidade.
Já em março o plenário do STF fixou que “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD” sem a lei complementar exigida pelo dispositivo constitucional (RE 851.108). Mais um caso em que houve modulação dos efeitos da decisão.
Na ADI 5481 o Supremo declarou a inconstitucionalidade da exigência de ICMS sobre as operações de extração de petróleo e de sua circulação dos poços para a empresa concessionária. Houve modulação, que não teve efeito prático de alterar o resultado, uma vez que todos os contribuintes possuíam ação.
Também foi em março que o STF modulou os efeitos da decisão no RE 605.552. Em 2020 foi fixada a tese de que incide ISS sobre medicamentos manipulados sob encomenda e que o ICMS incide sobre os medicamentos de prateleira.
Iniciou-se no mesmo mês o julgamento do RE 835.818, no qual o relator (ministro Marco Aurélio), acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, propôs tese segundo a qual “Surge incompatível, com a Constituição Federal, a inclusão, na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS, de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS”. Por outro lado, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Nunes Marques e Luiz Fux propuseram tese de que “Os valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal integram a base de cálculo do PIS e da Cofins”. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Diversos outros temas relevantes no campo tributário foram julgados em março. E o mesmo verificou-se em abril, quando o Supremo fixou que “é constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao Incra devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001.” (RE 630.898). Este caso seguiu a mesma linha do julgamento do RE 603.624, apreciado em 2020 e que analisou as contribuições ao Sebrae, à Apex e à ABDI.
Talvez um dos casos que mais esteja causando dúvidas nos contribuintes e nos Estados, o STF atestou a inconstitucionalidade da exigência de ICMS na transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Está em discussão, neste tema relevante, a modulação (ADC 49).
Aqui neste mês também houve modulação no RE 669.196, no qual restou declarada a “inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução CG/REFIS nº 20/2001, no que suprimiu a notificação da pessoa jurídica optante do Refis, prévia ao ato de exclusão, estabelecendo que ela produza efeitos ex nunc, a partir da data de publicação da ata de julgamento do mérito do recurso extraordinário, de modo a convalidar os atos já praticados, ressalvadas as ações judiciais em curso”.
Em maio os ministros entenderam que “o artigo 42 da Lei 9.430/1996 é constitucional.” (RE 855.649). Este dispositivo permite a incidência de Imposto de Renda sobre depósitos de origem não comprovada pelo contribuinte.
Tratando de imunidade, fixaram que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço” (RE 1.320.054).
Foi também em maio que os embargos de declaração da União foram parcialmente acolhidos para modular os efeitos da tese do século, qual seja, da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Fixou-se que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento” (RE 574.706). Acertadamente, o Tribunal afastou a tentativa de limitar o crédito ao que o fisco tentava impor como “efetivamente pago”.
Em junho os ministros decidiram que (i) “É constitucional o artigo 5º da Lei nº 9.779/1999, no que autorizada a cobrança de Imposto de Renda sobre resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge” (RE 1.224.696); (ii) “São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis” (RE 607.109); (iii) “É constitucional a inclusão do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza -ISS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB;” (RE 1.285.845); (iv) que é inconstitucional a lei do Estado do Pará que institui regime especial de recolhimento do ICMS, com redução da base de cálculo e da margem agregada, diferenciado a origem da mercadoria e exigindo que todas as etapas de industrialização fossem realizadas no Estado (ADI 6479).
Também em junho foi iniciado o julgamento da ADPF 647, na qual se questiona a competência do Fisco Federal em reconhecer vínculo empregatício de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas sem a manifestação prévia da Justiça do Trabalho. Houve pedido de vista e o julgamento ainda não foi concluído.
Foi em agosto, na ADI 6144, que o Tribunal, apesar de ter modulado os efeitos da decisão, fixou que é inconstitucional decreto estadual que regulamenta substituição tributária prevista em Convênio CONFAZ quando ausente a lei estadual prevendo o regime. Por outro lado, na ADI 4858 fixou que é possível a regulamentação de alíquota do ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior por Resolução do Senado Federal.
Já em setembro, os ministros entenderam que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (RE 1.063.187) e que “é inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional” (ADI 6284).
Ademais, foi iniciado o julgamento da ADI 6821, no qual se discute a exigência de ITCMD, por estado da federação, na hipótese em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior. Esse julgamento também foi suspenso por pedido de vista.
Em outubro começou o julgamento do RE 851.421, igualmente interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, no qual o ministro Roberto Barroso (relator) propôs a tese de que “é constitucional a lei estadual ou distrital que, com amparo em convênio do CONFAZ, conceda remissão de créditos de ICMS oriundos de benefícios fiscais anteriormente julgados inconstitucionais”. Já na ADI 5422 o Tribunal fixou a tese de que “é inconstitucional a incidência de imposto de renda sobre os alimentos ou pensões alimentícias quando fundados no direito de família”.
Com muitos julgamentos, em novembro o Tribunal entendeu que (i) “é constitucional a inclusão do valor do IPI incidente nas operações de venda feitas por fabricantes ou importadores de veículos na base de cálculo presumida fixada para propiciar, em regime de substituição tributária, a cobrança e o recolhimento antecipados, na forma do art. 43 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, de contribuições para o PIS e da Cofins devidas pelos comerciantes varejistas;” (RE 605.506); (ii) “o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), previsto no art. 10 da Lei nº 10.666/2003, nos moldes do regulamento promovido pelo Decreto 3.048/99 (RPS) atende ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CRFB/88)” (RE 677.725); (iii) “é imune ao pagamento de taxas para registro da regularização migratória o estrangeiro que demonstre sua condição de hipossuficiente, nos termos da legislação de regência” (RE 1.018.911); (iv) “adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”. (RE 714.139).
Este último caso, o da essencialidade, continua em discussão a questão da modulação, com dois votos (ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes) determinando que a decisão produza efeitos a partir de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até o início do julgamento de mérito (5.2.2021). Além da inovação em relação ao termo temporal, entendemos que deveriam estar fora da modulação todas as ações (anulatórias e autos de infração, por exemplo). Os contribuintes estão acompanhando este assunto de perto e com apreensão.
Por último, em novembro foi iniciado o julgamento da ADI 4784, na qual foi proposta a tese de que “é constitucional a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre a franquia postal”. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.”
Em dezembro ainda estão previstos alguns temas relevantes no âmbito tributário, merecendo especial destaque os RREE 955.227 e 949.297, que cuidam, respectivamente, dos “efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado” e “limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado”.
Em conclusão, não podemos deixar de mencionar que o número de julgamentos tributários está aumentando cada vez mais, a grande maioria em sessões virtuais. Todavia, isto não nos parece ser algo ruim, desde que os casos sejam efetivamente analisados e que seja conferido às partes a possibilidade de não apenas falarem, mas serem ouvidas.
Por outro lado, algo que tem preocupado muito os contribuintes é o aumento significativo de modulações temporais dos efeitos das decisões. Este é um dos temas que dominará os debates em 2022.
*Eduardo Maneira, professor associado da UFRJ, mestre e doutor pela UFMG, diretor da ABDF, presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB nacional; sócio do Maneira Advogados
*Eduardo Lourenço, mestre e doutorando em Direito Constitucional pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); LLM em Direito Tributário pelo IBMEC/DF; sócio do Maneira Advogados
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