Impacto dos vetos presidenciais na tributação de fundos de investimento

Insegurança jurídica e riscos para o mercado brasileiro

Gabriela Maciel, Victor Kampel

A versão original do PLP 68/2024, posteriormente aprovado e convertido na Lei Complementar 214/2025, previa, nos incisos V e X do art. 26, que não seriam considerados contribuintes do IBS/CBS, os “fundos de investimento, observado o disposto nos §§ 5º a 8º deste artigo” e os “fundos patrimoniais instituídos nos termos da Lei nº 13.800, de 4 de janeiro de 2019”.

Contudo, a Mensagem Presidencial 88 vetou esses dispositivos, que conferiam segurança jurídica aos fundos e às suas operações. Segundo a justificativa apresentada pelo Ministério da Fazenda e pela Advocacia-Geral da União (AGU), o dispositivo estaria em desacordo com a previsão de que o IBS (e, por consequência, a CBS) “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição”.

Diante do cenário em que o veto será avaliado pelo Congresso Nacional, é fundamental destacar os impactos práticos que sua manutenção poderá acarretar.

A indústria de fundos de investimento é um pilar significativo da economia brasileira, oferecendo alternativas de financiamento e diversificação de investimentos. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o patrimônio líquido dos fundos de investimento brasileiros ultrapassou os R$ 9 trilhões[1] em 2024 – valor equivalente ao PIB nacional.

Os FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário), por exemplo, contavam com mais de 1,5 milhão de investidores e um patrimônio líquido superior a R$ 300 bilhões[2], enquanto os Fiagros (Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) apresentavam um crescimento acelerado, destacando-se como um importante instrumento de financiamento para o agronegócio.

Embora o debate em torno do veto tenha se concentrado amplamente nos FIIs e nos Fiagros, é importante ressaltar que toda a indústria de fundos de investimento será impactada. Ainda que não esteja plenamente definido quais tipos de fundos serão efetivamente tributados, é evidente que o escopo dessa tributação ultrapassará as fronteiras desses dois segmentos.

Nesse contexto, vê-se que o objetivo do veto aos incisos V e X do caput, inciso III do §1º, bem como aos §§5º e 6º do art. 26, é submeter as movimentações das carteiras dos fundos de investimento à tributação pelo IBS/CBS.

Embora o art. 6º, incisos III e V, da Lei Complementar 214, exclua da tributação as alienações de participações societárias e os rendimentos financeiros[3] – o que, em tese, abarcaria as operações realizadas no âmbito de fundos como FIAs (Fundos de Investimento em Ações) e FIPs (Fundos de Investimento em Participações) –, outros fundos como, por exemplo, os FIIs e Fiagros, além dos Fundos de Índices (ETFs), Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e fundos que vendem participações de outros fundos, poderiam ter as movimentações de suas carteiras sujeitas ao IBS/CBS.

Essa situação pode resultar em assimetrias tributárias, criando distorções no mercado, mesmo entre tipos de fundos. Fundos semelhantes seriam tratados de maneira desigual, o que violaria o princípio da isonomia tributária, que exige tratamento igual para contribuintes em situações equivalentes. Ou seja, essa disparidade desestimularia investimentos em veículos sujeitos à tributação mais onerosa, prejudicando a competitividade e a eficiência do mercado de capitais brasileiro.

Além disso, a complexidade operacional de implementar essa tributação – em decorrência do grandioso número de movimentações realizadas no âmbito dos fundos –, geraria custos adicionais, impactando ainda mais a rentabilidade e o apelo desse tipo de investimento.

Ademais, como amplamente mencionado pela indústria, todos os rendimentos dos FIIs e Fiagros, especialmente os aluguéis recebidos, seriam tributados, o que resultará em uma redução do rendimento dos cotistas, diminuindo a atratividade desses investimentos, o que, por conseguinte, teria um profundo impacto no setor imobiliário nacional.

Nesse sentido, correto estava o disposto na redação original do art. 26 (incisos V e X do caput, inciso III do §1º, bem como aos §§5º e 6º), posto estabelecerem, expressamente, em quais hipóteses específicas os fundos de investimento seriam submetidos à tributação pelo IBS/CBS.

Ou seja, apenas os FIIs e Fiagros que realizassem operações com bens imóveis e não obedecessem às regras previstas para a isenção do imposto de renda sobre os rendimentos recebidos pelos cotistas, constantes do inciso III do caput e dos §§ 1º a 4º do art. 3º da Lei 11.033/ 2004; ou estivessem sujeitos à tributação aplicável às pessoas jurídicas, nos termos do art. 2º da Lei 9.779/1999, seriam considerados contribuintes do IBS/CBS.

Vê-se, portanto, que ao estabelecer as regras de enquadramento para a não exigência do IIBS/CBS, o art. 26 visava restringir a não incidência desses tributos aos casos de pulverização de cotistas.

Sendo assim, o objetivo do art. 26 e seus parágrafos era claramente tributar os fundos de investimento que atuassem de maneira semelhante às pessoas jurídicas. A intenção era equiparar a tributação desses fundos à das pessoas jurídicas tradicionais, garantindo que, caso os fundos fossem utilizados como instrumentos empresariais para gestão de ativos, eles estariam sujeitos ao mesmo regime tributário. Dessa forma, o artigo buscava evitar distorções no tratamento fiscal entre diferentes tipos de entidades que realizam atividades semelhantes.

Em suma, o referido veto aos incisos V e X do caput, inciso III do §1º e §§5º e 6º, todos do art. 26., introduziu insegurança jurídica para todo o setor. Essa situação não apenas ameaça a estabilidade e a previsibilidade de um mercado essencial para o financiamento da economia, mas também se distancia de dois objetivos centrais da reforma tributária: a simplificação do sistema tributário, que visa reduzir a complexidade fiscal e administrativa, e a promoção de neutralidade fiscal, que busca evitar distorções concorrenciais e assegurar o tratamento isonômico entre os agentes econômicos.

É devida, portanto, a derrubada do veto como medida essencial para garantir um modelo tributário que respeite a justiça fiscal e preserve a simplicidade do sistema, em consonância com os objetivos da reforma tributária.

[1]https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/patrimonio-liquido-dos-fundos-de-investimentoalcanca-r-9-2-trilhoes-em-julho.htm

[2]https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/fundos-de-investimento/boletim-de-fundos-de-investimentos/fundos-de-investimento-registram-captacao-liquida-de-r-78-3-bilhoes-em-julho-8A2AB28B917CFB9A01919FF7F20A38A5-00.htm

[3]Art. 6º O IBS e a CBS não incidem sobre:(…)III – baixa, liquidação e transmissão, incluindo alienação, de participação societária, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5º desta Lei Complementar;(…)V – rendimentos financeiros, exceto quando incluídos na base de cálculo no regime específico de serviços financeiros de que trata o Capítulo II do Título V deste Livro e da regra de apuração da base de cálculo prevista no inciso II do § 1º do art. 12 desta Lei Complementar;

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Gabriela Maciel
Sócia do escritório Maneira Advogados

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Victor Kampel
Sócio do escritório Maneira Advogados

https://www.jota.info/artigos/impacto-dos-vetos-presidenciais-na-tributacao-de-fundos-de-investimento

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