Imposto Seletivo na extração de bem mineral
Previsão de incidência é de uma infelicidade sem fim
A incidência do Imposto Seletivo na extração de bem mineral tem sido ponto de grande controvérsia nos debates da reforma tributária. O dissenso é tamanho que não há concordância sequer se o texto constitucional teria autorizado sua cobrança na hipótese de venda para o exterior.
Isso porque o inciso I, do §6º do artigo 153, ao vedar a cobrança “nas exportações”, delimitaria o conteúdo do inciso VII do mesmo artigo, que dispõe que na hipótese de extração, o imposto poderá ser cobrado “independentemente da sua destinação”. Essa interpretação seria mais coerente com o texto constitucional como um todo, que consagra o princípio do destino para todos os tributos, exceto, por óbvio, para o Imposto de Exportação.
A máxima de que “não se deve exportar tributos” permeia a constituição quando essa dispõe sobre o CIDEs (art. 149, §2º, I), Contribuições sociais (art. 149, §2º, I), IPI (art. 153, §3º, IV), ICMS (art. 155 §2º, X), ISS (art. 153, §3º, II) e, agora, com o advento da Emenda Constitucional 132/23, também para CBS, IBS (art. 156-A, §1º, III) e Imposto Seletivo (art. 153, §6º, I).
Tal leitura tampouco faria da expressão “independentemente da destinação” letra morta. Isso porque o imposto, concebido como o Imposto do Pecado, se distancia da sua vocação original ao prever a hipótese de incidência na extração, seja qual for a utilização do bem mineral. O petróleo, por exemplo, é insumo de medicamentos, produtos de limpeza etc. A expressão asseguraria a incidência em qualquer situação, aproximando, nesse aspecto, o Imposto Seletivo de um carbon tax.
Não parece ter sido essa a leitura do Congresso, uma vez que consta do Relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que inseriu o inciso VII ao §6º do art. 153 ao texto da Emenda Constitucional, a justificativa de que “para restringir atividades poluentes e degradantes ao meio ambiente é que propomos a extensão da incidência do imposto para atividades de extração, caso em que não interessará o destino do produto extraído (mercado interno ou estrangeiro)”.
Neste ponto, vale a máxima de que a interpretação jurídica não deve estar orientada pela intenção subjetiva do legislador, mas sim pelo sentido objetivo do texto. Tal como posto, nos parece que o melhor sentido da norma é pela inconstitucionalidade da incidência na exportação.
Seguindo adiante, as razões expostas para a implementação do Imposto Seletivo nessa situação tampouco convencem. Veja-se a continuação do Relatório do senador Eduardo Braga:
“Afinal, os danos ao território nacional são permanentes (socialização dos prejuízos), mas o resultado econômico fica concentrado nas poucas empresas que exploram a atividade (individualização dos lucros). Para operacionalizar a tributação sobre a extração, acrescentamos ao texto a possibilidade de estabelecimento de alíquotas ad rem (específicas), de modo a incidir sobre a quantidade do produto extraído, independentemente da receita das vendas. Entretanto, para alcançar o equilíbrio e a razoabilidade, estabelecemos, nesse caso, o teto de cobrança que será de 1% do valor de mercado do produto extraído”.
A justificativa de que a extração de bem mineral é “permanente” mas o lucro é individualizado soa como uma simplificação grosseira. Os empreendimentos de extração de petróleo, minério de ferro e outros exploram bens naturais não renováveis e, exatamente por isso, estão sujeitos ao pagamento de royalties ao Estado, uma compensação financeira pela utilização dos recursos minerais em seus territórios. As alíquotas são variáveis e levam em conta uma série de fatores, como a produtividade do campo, o preço de referência no mercado internacional, entre outros, podendo chegar a 40% se somada a participação especial.
Ou seja, o próprio constituinte criou uma figura para estabelecer essa compensação financeira ao Estado. A forma de cálculo, regulamentada em lei ordinária, é sofisticada, levando em conta uma série de complexidades, e asseguram uma indenização adequada.
Para ilustrar o exposto, os royalties foram responsáveis, no ano passado, por uma arrecadação de aproximadamente R$ 54 bilhões. Acrescendo-se o referido montante ao de participação especial — de pouco mais de R$ 38 bilhões — chega-se à imponente cifra de R$ 92 bilhões. Além disso, diante de uma grave crise fiscal vivida no país, a exportação de commodities tem sido elemento fundamental para uma balança comercial positiva e, consequentemente, manutenção do valor da moeda nacional.
Assim, uma previsão genérica de incidência do Imposto Seletivo, sob uma alíquota de 1%, sem qualquer metodologia no cálculo, não se justifica sob as razões postas no relatório do Senado.
Chama a atenção também a contradição do Congresso Nacional que, recentemente, adotou diversas medidas no sentido oposto, para desonerar os derivados de petróleo em razão do efeito inflacionário. Rememora-se a edição da Lei Complementar 194/2022, que reconheceu a essencialidade dos combustíveis e do gás natural, limitando a incidência do ICMS sobre tais produtos, e a Emenda Constitucional 123/2023, que reconheceu o estado de emergência decorrente “da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais dela decorrentes”. Onerar a extração de bens minerais, sem o cuidado adequado, parece ser uma medida afoita e em descompasso com aprendizados recentes.
O teto de 1%, aparentemente, mitiga esse efeito. Contudo, vale lembrar que o Imposto Seletivo é base de cálculo de outros tributos e tem um efeito cumulativo sobre o preço do produto final.
Por fim, a incidência sobre a extração é contrária aos planos de fortalecimento da própria indústria nacional. Veja-se a incongruência: a incidência do Imposto Seletivo na importação se restringe, no PLP 68/24, aos bens minerais em seu estado bruto. Ou seja, minério de ferro, petróleo e gás natural. Portanto, todos os derivados desses bens não sofrerão a incidência quando importados, enquanto o nacional que utilizá-los como matéria-prima terá que arcar com o custo do Imposto Seletivo. Trata-se de medida inédita: o governo brasileiro subsidiando o aço chinês!
A previsão da incidência do Imposto Seletivo na extração é de uma infelicidade sem fim. Nem mesmo a equipe técnica do Ministério da Fazenda foi a favor de sua inclusão. O Imposto Seletivo nasceu para desincentivar o consumo de bens que fazem mal a saúde ou ao meio ambiente. A extração de bens minerais está no lado oposto da cadeia econômica, distante do consumidor final. Qual a intenção? Taxar o minério de ferro que será usado para construção de placa solar? Tributar o petróleo que for matéria-prima de medicamento? Prejudicar a indústria nacional?
Talvez aqui valha uma reflexão ao Congresso Nacional: a Constituição autoriza os entes federados a exercer sua competência tributária, mas não exige o seu exercício. O Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, jamais foi implementado. Se, citando o chief Justice John Marshall, O poder de tributar envolve o poder de destruir, vale dizer que talvez a verdadeira força esteja em saber quando não usar esse poder.
EDUARDO MANEIRA – Professor titular de Direito Tributário da Faculdade Nacional de Direito e advogado
LUIS EDUARDO MANEIRA – Advogado
(Imagem: José Cruz/Agência Brasil)
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/imposto-seletivo-na-extracao-de-bem-mineral-02072024