Reportagem do Canaltech analisa um um projeto de lei em tramitação no Senado que visa criar parâmetros para a profissão de influenciador digital. O Dr. Matheus Puppe, sócio da área de Tecnologia, Mídia & Telecomunicações do Maneira Advogados, foi ouvido para comentar o assunto.

Influenciador digital: entre glamour e perrengues, profissão pode ganhar lei

Por Márcio Padrão | Editado por Claudio Yuge | 03 de Junho de 2022 

George Milton/Pexels

Misto de produtor de vídeo, jornalista e figura publicitária, o influenciador digital desafia rótulos antigos e é um ofício que está por aí há anos, mas ainda carece de regularização no mundo todo. O Brasil já começa a discutir o assunto. Desde maio o Senado analisa o Projeto de Lei 1138/2022, que pretende criar parâmetros para a profissão. Esta, por sinal, apresenta bem menos glamour por trás das câmeras do que imaginamos.

Em fevereiro, o Ministério do Trabalho e Previdência deu o primeiro passo ao incluir a profissão de influenciador digital na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). A pasta colocou sob o número 2534-10 o registro desta e outras atividades de nomes e funções semelhantes, como criador de conteúdo digital, gerador de conteúdo digital, influenciador e produtor de conteúdo digital.

Por se tratar de uma profissão relativamente nova, no Brasil ainda não existe lei que regulamente o influenciador. Mas Wilson Andrade, advogado especialista em direito tributário, explica em um artigo para o Canaltech que, pela Constituição Federal, qualquer profissão nova pode ser exercida mesmo sem contar com legislações específicas.

É um debate bem novo e, até o momento, poucos países o encararam de frente. A Austrália foi um dos primeiros a criar uma lei para influenciadores, mas sob uma ótica mais específica. A TGA, entidade reguladora da saúde e bem estar, definiu que um post nas redes sociais que promove o uso ou fornecimento de bens terapêuticos é um anúncio. E portanto está sujeito às diretrizes da lei de publicidade para remédios.

Se um influenciador australiano ser pago para falar bem de um medicamento alegando que apenas gostou de usá-lo, por exemplo, pode sofrer penas máximas de cinco anos de prisão ou multas de até 11 milhões de dólares australianos (R$ 38 milhões).

Para além da publicidade nociva ou mal disfarçada, um conjunto de leis para influenciadores passa por temas como as condições de trabalho muitas vezes precárias, tributos a pagar, responsabilidade social, remuneração justa e outros aspectos. É por isso que o atual projeto de lei ainda deve passar por muitas modificações para abranger tudo isso.


Projeto de lei define influenciador digital como trabalhador que cria, edita e publica conteúdo autoral pela internet (Imagem: Master1305/Freepik)

O que diz o projeto de lei para influenciadores?

O primeiro projeto de lei sobre o assunto surgiu de 2018 na Câmara dos Deputados, pelo deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), mas foi retirado de tramitação no mesmo ano, a pedido do parlamentar, para “correção de erro material”. Já a nova proposta, de autoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), na verdade foi inspirada no texto de 2018.

O atual PL 1138/2022 define a profissão como:

  • Trabalhador que cria, edita e publica conteúdo autoral pela internet;
  • Para isso, lança mão de vídeos, fotos, imagens ou textos;
  • É capaz de influenciar opiniões, comportamentos, manifestações e hábitos de consumo de sua audiência;
  • Manifesta-se com objetivo informativo ou opinativo sobre temas que considera relevantes;
  • E claro, que ganha dinheiro com esta atividade.

Parece bem amplo, certo? Dá para imaginar blogueiros, streamerstuiteirosyoutubersinstagrammers e tiktokers sobre este mesmo guarda-chuva. Mas para impedir confusões com outros tipos de comunicadores, faz a ressalva de não incluir na categoria de influenciador digital os profissionais que produzem conteúdo autoral para empresas de jornalismo.

Além disso, lista três limites para a profissão:

  • Proíbe a perseguição ou discriminação de pessoas ou grupos por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, raciais ou étnicos, de gênero etc;
  • Deve proteger o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas;
  • Também deve respeitar os direitos autoral, intelectual e de imagem.

É um momento adequado para discutir o assunto no Brasil. Pelo menos no aspecto econômico, a profissão é uma realidade. De acordo com uma pesquisa do Ibope Inteligência em 2020, 52% dos internautas do país seguem pelo menos um influenciador digital. A maioria dos seguidores é do sexo feminino; a faixa etária da maioria dos seguidores é entre 25 e 34 anos e está na classe B (renda familiar entre 10 e 20 salários mínimos).

Advogados trabalhistas ouvidos pelo Canaltech explicam que a aprovação ou não do PL não é um impeditivo para os influenciadores continuarem atuando; talvez só tragam direitos e deveres particulares da categoria. “Com relação às profissões com leis próprias, havendo disposições contraditórias com a legislação geral, prevalecem as regras específicas, aplicando-se lhes todas as demais regras gerais”, diz a advogada Maria Helena Autuori.

Alguns são até mesmo contatados em regime CLT por empresas por trabalharem em certas áreas das mídias tradicionais, como a rádio e a TV. “Essa versatilidade nas modalidades de relação de trabalho assumidas pelo digital influencer tornam difícil o regramento dessa profissão de forma objetiva, porque cada modalidade de trabalho assumida tem que ser analisada de per si [isoladamente]”, diz a especialista em direito trabalhista Andréa Corrêa de Sá.


Diogo Goloh, influenciador digital com 8,1 mil inscritos no YouTube, também faz outros trabalhos para viver (Imagem: Acervo pessoal/Diogo Goloh)

Como está, o projeto de lei do influenciador digital basta?

Para Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital, a definição de influenciador prevista no projeto de lei 1138/2022 aparenta ser suficiente para o momento atual, mas precisa de melhorias. “Poderia definir questões relacionadas àqueles que exercem a atividade de influenciadores sem auferir rendimento”, diz.

Truzzi também atenta para alguns influenciadores mirins que conseguem firmar contratos importantes. “Havendo incidentes vinculados aos seus conteúdos, os pais/responsáveis poderão ser responsabilizados por isso na esfera cível, e o menor, na esfera criminal, vinculado às medidas socioeducativas impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, defende.

Matheus Puppe, outro jurista de direito digital, acha que o PL foi feito em um contexto já defasado, que subentende que todos os influenciadores trabalham sozinhos. “Outras profissões necessariamente passaram a acompanhar o mercado, como social media, analista de métricas e de SEO, copywriters e designers, que editam, publicam e auxiliam todo o processo”.

De fato, grandes influenciadores como Bianca, Felipe e Luccas Neto, Casemiro, Gaulês e outros já contam com milhões de fãs, uma grande equipe de apoio e notoriamente ganham bem apenas com sua criação de conteúdo. Um grande nome no setor pode ganhar até R$ 18 mil por campanha, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.


Sandro “Akumoto” Rosa, influenciador digital que atua há três anos e tem 158 mil inscritos no YouTube (Imagem: Acervo pessoal/Sandro Rosa)

O outro lado: a solidão do influenciador

No entanto, a imensa maioria dos influencers ganha dinheiro por conta própria, trabalhando como empreendedores ou profissionais liberais. Por isso abrem CNPJs quando fazem contratos ou parcerias comerciais com empresas anunciantes. Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), a atividade pode variar; algumas observadas pela reportagem foram “produtor de vídeos”, “provedor de conteúdo” e “agência de publicidade”. O rendimento também vem pelas plataformas de publicidade do próprio Google no YouTube, em virtude da alta audiência de seus vídeos.

É normalmente um trabalho solitário. Para cortar custos e pagar o mínimo de tributos, muitos atuam como MEIs (microempreendores individuais) e não contratam outros funcionários. Por isso cabe ao influenciador fazer tudo: elaborar roteiros, cuidar da iluminação e cenário, atuar na frente das câmeras, editar o conteúdo e gerenciar o ritmo de trabalho e os próprios ganhos.

Glamour à parte, o trabalho ocupa bastante tempo e esforço nos bastidores. Enquanto esta reportagem era produzida, a influenciadora e ex-BBB Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, mostrou em seu Instagram o roteiro diário que segue para expor sua vida na rede social para obter mais engajamento.

Dos gastos à saúde, o caminho do influencer é tortuoso

A quantidade de influenciadores no Brasil depende da fonte: segundo a multinacional de pesquisas Nielsen, são 500 mil; para a agência SamyRoad, 920 mil. Mesmo no menor número, já existe mais influencer que dentista ou engenheiro no país. Mas o grosso desse pessoal ainda não é um Felipe Neto; eles concorrem entre si e precisam produzir diariamente para ampliar seu público e seu engajamento. As metas são serem convidados para campanhas de marcas ou furarem as bolhas dos algoritmos das redes sociais.

No meio do caminho, eles podem até mesmo adoecer. Em 2019, a plataforma CriadoresID ouviu 300 youtubers para saber de suas condições de trabalho. Cerca de 16,9% deles sofriam de ansiedade e 4,3% enfrentavam depressão. Além disso, 28% diziam não realizar atividades físicas e 53,8% dependiam totalmente do YouTube para obter renda.

Sem falar dos custos: um criador precisa pagar internet, assinatura de programas de edição, câmeras de qualidade, acessórios de áudio e iluminação e um bom computador — que hoje não sai por menos de R$ 5 mil. Se terceirizar parte do trabalho, como a edição por exemplo, vai ter que remunerar o profissional também. Se os “recebidos” e “publis” não cobrirem tudo isso e fecharem as contas do cotidiano, do mercado à energia elétrica, fica impossível trabalhar.


Igor, influenciador digital e streamer que também atua como cantor, tem 89 mil seguidores no YouTube (Imagem: Acervo pessoal/Igor)

É possível também obter fontes alternativas de dinheiro. Diogo Goloh, influenciador de jogos há três anos e atualmente com 8,1 mil inscritos no YouTube, trabalha ainda como gerente de canais e roteirista de outros criadores de conteúdo. Segundo ele, seus vídeos e lives rendem cerca de 40% de sua renda anual. “Nunca gostei de depender de só uma coisa”, diz.

Já Sandro Rosa, conhecido como Akumoto, obtém renda via contrato com a plataforma de lives Twitch, pelo canal do YouTube e trabalhos de propaganda e divulgação por conta da visibilidade como influenciador. “hoje consigo viver exclusivamente do que ganho e tive a sorte de não passar por períodos que faltaram dinheiro, mas sei que sou um ponto fora da curva em relação a influenciadores iniciantes”, diz ele, que atua também há três anos e já tem 158 mil inscritos no YouTube e 533,7 mil na Twitch.

“Não é só ficar famoso do dia pra noite e começar a ganhar dinheiro. No final das contas é um emprego, onde você precisa comandar uma empresa e ter funcionários para que tudo funcione de forma correta e dentro das leis. O que eu gostaria mesmo é que tivesse educação financeira nas escolas e mais acesso às informações que precisamos pra cuidar dos nossos negócios, seja ele qual for”, diz o streamer e cantor Igor, com 89 mil seguidores no YouTube.

Fonte: Correio BrazilienseFolha de S. PauloSenado Federal

https://canaltech.com.br/empregos/influenciador-digital-entre-glamour-e-perrengues-profissao-pode-ganhar-lei-217716/

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