Em vigor há 7 anos, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.695/2014) demonstra ser um instrumento essencial para garantir a segurança jurídica necessária para o uso da internet no país. Os direitos e os deveres nele descritos foram por anos discutidos pelos nossos parlamentares, os quais contaram com a assistência de diversos experts sobre o tema e também com uma forte participação popular através de audiências públicas e plataformas online de debate. Trata-se, inclusive, de um dos primeiros processos legislativos que veio a aplicar o crowdsourcing, mecanismo este que conta com o aproveitamento do conhecimento da população para a produção de atos legislativos e ações governamentais.

Até ser promulgada, a Lei passou por diversas discussões entre as Casas Legislativas. O seu início deu-se em 2007, quando houve a necessidade de se estabelecer um instrumento normativo que viesse a regular o setor sem causar grandes repressões à sociedade – até então, o Legislativo havia travado grandes embates quanto a isto, tais como a discussão do projeto de lei de cibercrimes. Quatro anos depois, em 2011, foi apresentado o Projeto de Lei do Poder Executivo à Câmara dos Deputados (PL 2126/2011), A urgência em termos uma norma sobre o tema era tamanha que a então Presidente Dilma Rousseff assinou uma mensagem de urgência constitucional para que o Congresso finalizasse a apreciação do projeto em 45 dias – a qual, na verdade, só veio a se concretizar 7 meses depois, nas vésperas da NETMundial, evento este realizado em São Paulo e que foi responsável pela elaboração de princípios de governança da internet.

As disposições inseridas na Lei servem como um exemplo de como é possível promover uma intervenção positiva do Estado em uma atividade essencial à sociedade, sem que venha a prejudicar o seu pleno funcionamento. Temas como a liberdade de expressão, de comunicação e de manifestação de pensamento dos usuários, a função social da internet, a proteção dos dados pessoais, o direito à privacidade, a preservação e a garantia da neutralidade da rede foram incorporados ao seu texto como princípios norteadores da regulação do setor. Não obstante, também impôs aos usuários e aos provedores obrigações de responsabilidade civil contra os eventuais danos causados pela má utilização e prestação dos serviços.

Todos essas disposições estão hoje em discussão na Medida Provisória (MP) nº 1068, assinada pelo Presidente da República em 06 de setembro, que visa alterar o conteúdo do Marco Civil. Dentre as principais mudanças propostas está a grave restrição aos provedores de aplicação, tais como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube dentre outros, de moderação de conteúdo e exclusão de contas e/ou postagens de seus usuários.  A redação proposta pela MP aos artigos 8º-B e 8º-C do Marco Civil traz que a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil do usuário de redes sociais, assim como a exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário somente poderão ocorrer com “justa causa”, nos termos das hipóteses listadas.

Ocorre que, ao restringir o rol de hipóteses de “justa causa”, a MP desconsidera o quadro de desinformação que tem se instituído na internet mediante a divulgação de informações falsas e com potencial nocivo, permitindo o agravamento dessa situação. 

Até o momento, já foram identificadas seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) contra a MP, todas de autoria de partidos políticos – ADI 6996ADI 6993ADI 6992ADI 6995ADI 6994 e ADI 6991. Além das ADIs, o Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) ingressou, sem vinculação partidária, com um Mandado de Segurança (MS 38207) contra as alterações propostas. Todas as ADIs e o MS estão sob a relatoria da Ministra Rosa Weber.

Destacamos que as ações movidas seguem a linha argumentativa de que a MP viola princípios fundamentais à manutenção da ordem constitucional, tais como o da vedação ao retrocesso, o da liberdade de expressão, o do acesso à informação e o da livre iniciativa, tendo como intuito dificultar que postagens contendo fake news ou promovendo discursos de ódio possam ser excluídas. Outro argumento sustentado é o de que o seu texto contradiz o Marco Civil da Internet, principalmente no que tange aos dispositivos que reproduzem o princípio constitucional de proteção à livre iniciativa por interferir nos termos e nas políticas dos provedores de internet.

Nesse último aspecto, destaca-se a previsão do art. 19 do Marco Civil, que estabelece a responsabilização dos intermediários por danos decorrentes do conteúdo gerado por usuários apenas caso descumpram ordem judicial específica que tenha determinado a remoção do conteúdo. De qualquer forma, nada impede que elas promovam a exclusão e moderem conteúdo de acordo com suas políticas internas. A restrição do conceito de “justa causa” subverte a lógica orientativa do Marco Civil da Internet e agrava cenários que já são, hoje, complexos, além de representar prejuízos aos modelos de negócios dessas empresas. Vale lembrar que o condicionamento imposto pelo art. 19 privilegia a segurança jurídica e a liberdade de expressão dos usuários.

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