Artigo de Eduardo Maneira e Luis Eduardo Maneira publicado no JOTA aborda recente medida provisória do governo federal que busca estabelecer o chamado “equilíbrio fiscal” por meio de medidas compensatórias diante da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.

 

MP do ‘equilíbrio fiscal’ deve obedecer ao princípio da não surpresa

Garantias constitucionais vão sendo interpretadas de forma cada vez mais restritiva para suportar gastos cada vez maiores

 

Na última terça-feira (4/6), em edição extra do Diário Oficial, foi publicada a Medida Provisória 1227/24, que tem por objeto quatro pontos: (I) condições para a fruição de benefícios fiscais; (II) delegação de competência ao Distrito Federal e aos municípios para o julgamento de autuações de ITR quando existente convênio; (III) limitação da compensação de tributos administrados pela Receita Federal; e (IV) revogação de hipóteses de ressarcimento e de compensação de créditos presumidos de PIS/Cofins.

Detalhando esse último, o art. 5º cria mais uma hipótese de compensação “não declarada”, passando a vedar a chamada “compensação cruzada” do saldo credor acumulado de créditos de PIS/Cofins (não cumulatividade) para pagamento de débitos de outros tributos administrados pela Receita Federal.

Até então, os contribuintes que tinham as suas operações desoneradas pelo PIS/Cofins em função de exportações (art. 6º, §1º, II das Leis 10.637/02 e 10.833/03) ou suspensão/isenção e alíquota zero (art. 16 da Lei 11.116/05), ou, ainda, recebiam créditos presumidos, podiam utilizar os créditos para a compensação com outros tributos administrados pela Receita Federal, conforme arts. 245 e seguintes da IN RFB 2121/21.

A partir de agora, tais créditos somente poderão ser utilizados para quitar os próprios débitos de PIS/Cofins.

Seguindo a (i)lógica da vedação da compensação tratada no item anterior, a MP, ao final, revoga a possibilidade de compensação de créditos presumidos de PIS/Cofins com débitos de outros tributos, bem como impede o ressarcimento nos seguintes casos:

  1. a) produção de produtos farmacêuticos (Lei 10.147);
  2. b) industrialização de produtos agropecuários, inclusive cooperativas (Leis 10.925, 12.058, 12.350, 12.599, 12.794, 12.865);
  3. c) indústrias petroquímicas (Lei 11.196);

Ou seja, para os contribuintes que gozam de crédito presumido, tampouco será possível o ressarcimento em dinheiro, expressamente revogado pela MP 1227/24.

A medida provisória nasce com um título sugestivo: “MP do equilíbrio fiscal”. O nome de batismo, conferido pelo próprio Ministério da Fazenda, dá a tônica do que vem a seguir: aqueles que forem contra o texto normativo, estarão contrariando os interesses do país na luta por contas públicas menos deficitárias.

De acordo com as estimativas oficiais, o impacto da MP 1227/24 é de R$ 29,2 bilhões, ainda para o exercício de 2024. Seria uma compensação pela prorrogação da desoneração da folha, cujo impacto fiscal não caberia no orçamento.

Para os fins deste artigo, o que se gostaria de ressaltar é o sofisma da medida, que ao limitar a compensação e o ressarcimento de créditos acumulados de PIS e Cofins, gerando uma receita extra da ordem de R$ 30 bilhões, promete não estar majorando a tributação e tampouco ferindo qualquer princípio constitucional, especialmente o da anterioridade.

Positivado em nossa Constituição no artigo 150, III, b, o comando é claro: a vedação de cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que o instituiu ou o majorou. A anterioridade é, como regra constitucional, uma forma eficaz de garantir ao cidadão o direito de exercer sua liberdade de forma planejada. Especificamente no Direito Tributário, é saber, no exercício de suas atividade econômicas, a previsibilidade da carga tributária que será suportada.

Tanto é assim que as exceções à anterioridade são taxativas na constituição, e uma delas é justamente que as contribuições do artigo 195, dentre as quais o PIS e a Cofins, se submeteriam apenas a uma anterioridade nonagesimal, podendo ser instituídas e majoradas dentro de um prazo de 90 dias. A MP 1227/24 tampouco observou essa regra.

A justificativa do Ministério da Fazenda para não observar qualquer das regras constitucionais mencionadas é de que não haveria a criação ou majoração de tributos, mas “correções do sistema tributário brasileiro”.

É verdade que não se trata, na hipótese, de instituição ou majoração das contribuições ao PIS e a Cofins, mas de uma mudança sistêmica na possibilidade de quitação de tributos, que impossibilita o contribuinte de reaver créditos e compensá-los com tributos de outras natureza, trazendo uma necessidade de desembolso para o adimplemento de suas obrigações. O impacto de caixa é de tal monta que o próprio governo o estima em R$ 30 bilhões.

Amesquinhar a anterioridade ao conteúdo literal do artigo 150, III, b é ignorar o seu conteúdo como princípio jurídico, no sentido de que juridicamente o cidadão está protegido contra mudanças abruptas no sistema tributário que exijam um desembolso maior para o cumprimento de suas obrigações. A anterioridade, como princípio derivado da não-surpresa, diz respeito à temperança na alteração do direito, de forma que mudanças normativas bruscas devem respeitar um tempo para a necessidade de replanejamento do cidadão as suas ações.

Portanto, sequer seria caso de mera aplicação da anterioridade nonagesimal ao PIS e a Cofins, pois a hipótese se amolda à regra da anterioridade anual na medida em que as restrições às compensações repercutem no aumento da carga tributária de todos tributos federais compensáveis. Ou seja, a restrição de compensação de créditos acumulados de PIS e Cofins com outros tributos é, na realidade, uma via transversa de majorar a carga tributária global do contribuinte e não apenas do PIS e da Cofins. Além disso:

  1. Distorcem o (já fragilizado) princípio da não cumulatividade para o PIS/Cofins, pois os contribuintes não poderão mais dar efetiva saída aos créditos, gerando resíduos tributários;
  2. Virtualmente, impedem a utilização dos créditos de PIS/Cofins para grandes exportadores, amesquinhando o princípio do destino segundo o qual os países exportam produtos e não tributos;
  3. Representam confisco do crédito escriturado pelos contribuintes, que estão, desde 2018 impedidos de compensá-los com débitos de estimativa de IRPJ/CSLL e agora também estão proibidos de compensá-los com os demais tributos;
  4. Impõem aos contribuintes, como única saída, a apresentação de pedido de restituição que: (i)não tem prazo para ser analisado; (ii) mesmo que deferido, não tem prazo para ser quitado;

É louvável que o Ministério da Fazenda esteja empenhado em assegurar o equilíbrio das contas públicas. No entanto, sempre oportuno lembrar que a aritmética tem dois lados: a soma e a subtração. Infelizmente, as medidas do governo para o alcance do equilíbrio só visam aumentar a arrecadação, sem qualquer esforço na contenção das despesas. Já sem muito de onde tirar, as garantias constitucionais vão sendo interpretadas de forma cada vez mais restritiva para suportar gastos cada vez maiores. Devemos resistir.

EDUARDO MANEIRA – Advogado e professor de Direito Tributário da UFRJ
LUIS EDUARDO MANEIRA – Advogado

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mp-do-equilibrio-fiscal-deve-obedecer-ao-principio-da-nao-surpresa-06062024

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