Em artigo publicado na Gazeta do Povo, o deputado Pedro Lupion e o advogado Eduardo Lourenço, sócio do Maneira Advogados, analisam a proposta de regulamentação da reforma tributária e seu impacto para o setor do Agronegócio.
Reforma tributária: coalizão das frentes parlamentares
Por Pedro Lupion
(Foto: Câmara dos Deputados)
No dia 8 de janeiro publicamos o artigo “O agro na Reforma Tributária: o que, de fato, a FPA conseguiu?”. Naquela oportunidade pudemos abordar os avanços que o setor agropecuário de fato alcançou com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/23, quando comparado com o texto inicial da PEC nº 45/2019.
Ao final, fizemos um alerta no sentido de que o Congresso Nacional teria que “permanecer atento às dificuldades dos contribuintes e funcionar como caixa de ressonância para as demandas, de forma a garantir que a mudança ocorra de forma segura e sem aumento da carga tributária, garantindo, ao final, a almejada simplificação.”
Em outras palavras, os membros do Congresso Nacional – na condição de titulares legítimos do poder, de legislar e decidir os rumos sobre a regulamentação – teriam que se debruçar para que as promessas que viabilizaram a aprovação da reforma fossem cumpridas
Ocorre que, na sequência da aprovação da PEC 132/2023, já no início deste ano, o Governo Federal noticiou que começaria os estudos para regulamentar a reforma tributária, criando grupos de trabalho compostos por representantes da União, dos Estados e dos Municípios, excluindo qualquer participação efetiva da sociedade civil.
Vale ressaltar que, por participação efetiva, quer dizer ser ouvido, debater e ser levado em consideração. É disso que cuidam os debates que, ao final, buscam conferir legitimidade ao processo decisório. Apenas receber sugestões não é capaz de atrair a legitimidade que o processo necessita.
Percebendo essa movimentação – leia-se, exclusão da sociedade e dos tomadores de decisão do Congresso Nacional do debate –, inúmeras Frentes Parlamentares (mais de 20), inclusive a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), se uniram para iniciar os debates e contribuir para a melhor regulamentação possível.
Para tanto, as frentes espelharam os grupos de trabalho do Governo Federal, criando, além disso, o GT 20 (para tratar da efetividade da não cumulatividade). Cada grupo “paralelo” foi liderado por uma frente parlamentar e foi composto por todos aqueles que quiseram participar. Durante o desenvolvimento dos trabalhos foram realizados vinte seminários na Câmara dos Deputados (íntegras disponíveis no canal do Youtube da Câmara dos Deputados) e uma audiência pública formal de entrega dos trabalhos, realizada no último dia 17. É importante ressaltar que o governo foi convidado para participar, de forma efetiva, de todos os seminários e, inclusive, da audiência pública.
Especificamente, quanto ao trabalho desenvolvido pela FPA, houve participação em todos os grupos e coordenação de quatro deles, a saber: (i) GT 2 – Imunidades; (ii) GT 5, em conjunto com a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) – regime específico de tributação dos combustíveis e lubrificantes; (iii) GT 7 – operações com bens e serviços submetidos à alíquota reduzida; e (iv) GT 13 – cesta básica.
Em todo caso, mais do que expor os projetos, o governo apresentou seu texto na última quarta-feira, dia 24. Esses quatro grupos de trabalho apresentaram os correspondentes projetos e textos das leis complementares, marcando posição em relação a pontos indispensáveis para o setor agropecuário.
Para facilitar o entendimento das premissas, vale dividir a análise proposta e focar naquilo que é importante para o setor agropecuário, eis que os projetos acabam por abordar diversos outros setores, como o PLP que regulamenta os regimes diferenciados de tributação.
Inicialmente, o GT 2 – Imunidades fixou que a imunidade na exportação é uma premissa adotada desde 2019, no início da discussão da PEC 45. Todavia, para alcançar a efetividade da imunidade da exportação, é indispensável que seja garantida a devolução dos créditos dos tributos acumulados na cadeia.
Não por outra razão que temos, como premissas indispensáveis: (i) assegurar a manutenção e aproveitamento dos créditos decorrentes de operações imunes; (ii) ressarcimento de saldo existente após as compensações no prazo de 30 dias; (iii) o Comitê Gestor do IBS somente poderá repartir os valores com os entes (Estados e Municípios) depois de devolver o dinheiro aos contribuintes que possuam saldo; e (iv) caso não seja efetivado, os créditos poderão ser cedidos a terceiros sem limitação.
Em relação ao GT 5 – Regime específico de tributação dos combustíveis e lubrificantes, coordenado em conjunto com a FPBio, a proposta apresentada seguiu as regras constitucionais de monofasia, isto é, incidência apenas uma vez na cadeia e alíquotas uniformes no país, apenas diferenciadas por produto.
Além disso, (i) previu o aproveitamento dos créditos na produção dos combustíveis (que foi uma vitória na tramitação da PEC, obtida pela FPA e pela FPBio); (ii) estabeleceu a possibilidade de utilização, desde já, dos créditos acumulados de PIS e COFINS; (iii) previu a limitação da tributação dos biocombustíveis, respeitando o quanto anteriormente aprovado na EC 123. Isto é, a tributação do biocombustível será sempre de, no máximo, 30% da tributação do correspondente combustível fóssil; (iv) limitou a incidência do imposto seletivo, não sendo possível cobrar sobre os biocombustíveis; e (v) propôs a destinação obrigatória de parte do fundo de compensação dos benefícios de ICMS para incentivar a produção de biocombustíveis.
Quanto ao GT 7 – operações com bens e serviços submetidos à alíquota reduzida, o trabalho envolveu, como já antecipado, diversos outros setores, que são muitos os submetidos à alíquota diferenciada (reduções que podem ser de 30%, 60% ou 100%). Em todo caso, para o setor agropecuário, foram estabelecidos os insumos e produtos agropecuários, que serão abrangidos pela redução de 60% da tributação.
Nestas ocorrências, o trabalho buscou fazer com que a lista de insumos fosse a mais ampla possível e, também, que trouxesse segurança jurídica para afastar as discussões que temos hoje sobre a tributação dos insumos.
Além disso, há previsão expressa, que a FPA defendeu amplamente durante os debates da PEC, de que não poderá haver incidência do imposto seletivo sobre o que tiver alíquota diferenciada. Este ponto é indispensável para manter o racional de facilitar o acesso aos produtos e serviços tidos por essenciais. Qual seria a lógica se tributássemos com o seletivo aquilo que tem alíquota reduzida de IBS e CBS, sendo que a finalidade do IS é justamente desestimular o uso e consumo?
Foi ainda neste projeto de lei complementar que restou estipulado que o produtor rural integrado e aquele que fature até 3.6mm/ano não serão contribuintes. Até podem optar por ser, mas não serão obrigados. Na linha de manter a não cumulatividade e privilegiar e incentivar o pequeno produtor rural, o projeto de lei prevê o crédito presumido integral na operação de aquisição da produção rural.
Por último, e talvez mais relevante, tanto que foi um dos primeiros a serem apresentados, foi o trabalho resultante do GT 13 – cesta básica. Neste específico foram coautores 29 parlamentares. Ele é o que traz grandes avanços para a discussão sobre a tributação dos alimentos, mas não apenas pós-reforma tributária, como igualmente nesta fase inicial de regulamentação. É que, desde já, o texto permite ao Governo Federal reduzir as alíquotas do PIS e da COFINS para todos os produtos listados na Cesta Básica Nacional de Alimentos – CeNA. Essa ideia é interessante, uma vez que a transição dos novos tributos aprovados com a PEC começa apenas em 2026 e o texto do PLP já está prevendo instrumentos para reduzir a carga tributária dos alimentos desde já.
Ainda sobre este ponto, considerando o momento da transição para os novos tributos, temos que a lista de alimentos prevista no PLP unifica as cestas básicas estaduais e a federal, bem como atende os requisitos constitucionais (art. 8º, EC 132/23).
Outro destaque a ser feito é que o texto do PLP da CeNA prevê a necessidade de manutenção dos créditos nas operações desoneradas e, mais uma vez, a não incidência do imposto seletivo pelas idênticas razões já referidas acima.
Agora, o próximo passo é analisar o texto proposto pelo Governo Federal e verificar quais avanços e ajustes devem ser feitos. É umas das funções, talvez a mais importante, do Congresso Nacional.
Então, por certo que os textos não são perfeitos e merecem aperfeiçoamento. É exatamente isso que o Congresso Nacional está fazendo: trazendo o debate para que a sociedade possa acompanhar e sugerir alterações. O que não se pode aceitar é, mais uma vez, deixar para conhecer o texto nos acréscimos do segundo tempo.
Coautor do texto:
Eduardo Lourenço. Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pelo UniCEUB e Master of Laws (LLM) em Direito Tributário pelo IBMEC. Sócio do Maneira Advogados.
Pedro Lupion
Deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Produtor rural ligado ao cooperativismo, tem graduação em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda; é mestre em Ciências Políticas pelas universidades Francisco de Vittoria e Rey Juan Carlos, na Espanha, e especialista em Comunicação Política e Campanhas Eleitorais pela Georgetown University e em Administração Pública e Governança pela George Washington University, Estados Unidos.
**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.