O site do Estadão publicou artigo assinado pelos Drs. Eduardo Maneira e Eduardo Lourenço, sócios do Maneira Advogados, que traz uma retrospectiva dos temas mais relevantes do direito tributário julgados pelo Supremo Tribunal Federal em 2022.

Retrospectiva 2022 – o STF e o Direito Tributário

Por Eduardo Maneira e Eduardo Lourenço*

25/12/2022 

Assim como no ano anterior, em 2022 tivemos muitos julgamentos em matéria tributária no Supremo Tribunal Federal e, quase que na totalidade, em sessões virtuais. Esta retrospectiva pretende destacar os casos de maior relevância julgados.

Em fevereiro, o ano iniciou com julgamento, no âmbito da Primeira Turma, que atestou a necessidade de respeitar a anterioridade quando da extinção de “benefício fiscal que possibilitava a geração de créditos de ICMS ainda que a circulação de mercadorias fosse isenta”. Isto porque, a “anterioridade tributária visa a assegurar a previsibilidade da carga tributária, protegendo a segurança jurídica, a não surpresa e a confiança legítima”. O julgamento foi encerrado por maioria de votos, vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. O relator para acórdão foi o ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado dos ministros Dias Toffoli e Rosa Weber (ARE 1343737).

Ainda em fevereiro, o STF reafirmou a jurisprudência do Tema 825 (“É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”) e declarou inconstitucional a lei do estado do Maranhão. Todavia, promoveu a modulação dos efeitos a contar da publicação do acórdão do tema da repercussão geral, ressalvadas as ações ajuizadas (ADI 6821).

Passando para março, o pleno do Tribunal definiu a tese, de julgamento encerrado em 2020, no sentido de que “É constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito” (RE 1049811).

No mesmo mês, foi dado início ao julgamento das ADIs 6399, 6415 e 6403, em que foi questionada a regra segundo a qual o resultado de julgamento empatado no âmbito do CARF deve ser proclamado a favor do contribuinte. Atualmente, temos o voto do ministro Marco Aurélio pela inconstitucionalidade formal e, se vencido, pela constitucionalidade material. Neste ponto, foi seguido pelos ministros Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

Já em abril, o Tribunal finalizou julgamento de ação de controle concentrado ajuizada em 2001. Por maioria de votos, declarou a constitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001, notadamente no acréscimo do parágrafo único ao art. 116 do CTN, permitindo que a administração tributária realize a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária (ADI 2446).

Acolhendo embargos de declaração opostos em face de entendimento fixado em 2021, segundo o qual “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”, os ministros esclareceram “que a decisão embargada se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios, mediante a taxa Selic em questão, na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial”. Na mesma oportunidade, modularam “os efeitos da decisão embargada, estabelecendo que ela produza efeitos ex nunc a partir de 30/9/21 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), ficando ressalvados: a) as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito); b) os fatos geradores anteriores a 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral” (RE 1063187).

Desde a retrospectiva de 2021 estamos destacando a importância do julgamento da ADC 49. Relembrando, neste caso o STF atestou a inconstitucionalidade da exigência de ICMS na transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. O julgamento dos embargos de declaração, que pedem a modulação dos efeitos, foi interrompido em maio por pedido de vista do ministro Nunes Marques e está previsto para continuação em fevereiro de 2023. São diversas as possibilidades de modulação, mas há um consenso de que deve ser fixado termo prospectivo de forma a não prejudicar os contribuintes que necessitam da incidência tributária quando da transferência para usufruírem de benefícios fiscais estaduais.

Em junho tivemos o início das discussões em torno da tributação dos combustíveis, notadamente o regime de incidência monofásico e alíquota (se ad rem ou ad valorem) e vigência da MP 1.118/2022, a qual somente passou a produzir efeitos após 90 dias da data da sua publicação (ADI 7181).

Ainda em junho, os ministros fixaram, por maioria de votos, a tese segundo a qual “o poder de veto previsto no art. 66, § 1º, da Constituição não pode ser exercido após o decurso do prazo constitucional de 15 (quinze) dias” (ADPF 893).

Já em agosto, os ministros declararam a constitucionalidade da Lei Mineira nº 19.976/2011, que instituiu taxa de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários (TFRM). Neste caso, importa destacar trecho da ementa no sentido de que a “observância do princípio da proporcionalidade impõe não equivalência estrita, mas, sim, equivalência razoável entre o valor da taxa e os custos da atividade estatal. Surge aceitável, portanto, alguma folga orçamentária, a fim de que o custeio da fiscalização de atividade desenvolvida com fins lucrativos puramente particulares não seja arcado pela sociedade como um todo” (ADIs 4786 e 4785).

Em setembro foi iniciado, ainda sem definição, o julgamento sobre a cobrança do DIFAL já no ano de 2022, sem a observância das anterioridades anual e nonagesimal. Inicialmente, o relator, ministro Alexandre de Moraes, julgou improcedente as ações. Na sequência, pediu vista o ministro Dias Toffoli, que votou por ser necessário o respeito à anterioridade nonagesimal. Na sequência, os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, André Mendonça e Rosa Weber votaram por ser necessário obedecer aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, levando ao pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o qual acabou por acompanhar o ministro Dias Toffoli e, na sequência, a ministra Rosa Weber, que já tinha votado, destacou o julgamento, o qual será reiniciado em nova oportunidade no plenário físico (ADIs 7066, 7070 e 7078).

Com as discussões em torno das eleições e ações correlatas, voltamos a ter julgamentos tributários relevantes somente em novembro. Logo no início do mês foi fixada a tese no tema 699: “É constitucional a cobrança, em face das entidades fechadas de previdência complementar não imunes, do Imposto de Renda retido na fonte (IRRF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) (RE 612686). Depois, apreciando o tema 756 da repercussão geral fixou as seguintes teses: “I. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança; II. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03) e 404/04. III. É constitucional o § 3º do art. 31 da Lei nº 10.865/04” (RE 841979).

Foi no final de novembro que o Tribunal começou a analisar um assunto muito relevante para os contribuintes, evolvendo a coisa julgada. O ministro Edson Fachin, relator em um dos casos, votou para ser fixada a seguinte tese: “A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão”. O ministro Roberto Barroso, relator no outro processo, votou para ser fixada a seguinte tese: “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”. Foi integralmente acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes acompanhou parcialmente, divergindo apenas quanto à aplicação dos princípios das anterioridades (anual e/ou nonagesimal). Todavia, os julgamentos serão reiniciados no plenário físico em decorrência de destaque apresentado, em ambos os casos, pelo ministro Edson Fachin (RREE 955227 e 949297).

No início de dezembro, o STF encerrou o julgamento de embargos de declaração opostos em face de julgamento de mérito finalizado em 2016 (não incidência de ICMS sobre assinatura básica mensal cobrada pelas prestadoras de serviços de telefonia, independentemente da franquia de minutos concedida ou não ao usuário). Os aclaratórios foram providos para “modular os efeitos da declaração de constitucionalidade no tempo, de modo que o ICMS incida sobre a ‘assinatura básica mensal sem franquia’ a partir da data da publicação da ata de julgamento do acórdão no qual o mérito foi apreciado, isto é, 21/10/2016” (RE 912888).

Ainda em dezembro, foi iniciado o julgamento do RE 640452, sendo proposta a tese, pelo relator, ministro Roberto Barroso, no sentido de que “a multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% (vinte por cento) do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco”. o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Também foi suspenso o julgamento do RE 781.926, mas por pedido de vista do ministro André Mendonça, após o relator, ministro Dias Toffoli votar pela fixação da tese de que “o diferimento do ICMS relativo à saída do álcool etílico anidro combustível (AEAC) das usinas ou destilarias para o momento da saída da gasolina C das distribuidoras (Convênios ICMS nº 80/97 e 110/07) não gera o direito de crédito do imposto para as distribuidoras”. A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator.

Outro caso extremamente relevante não foi finalizado, por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, após o relator, ministro Ricardo Lewandowski votar para a fixação da tese de que “o conceito de faturamento como base de cálculo para a cobrança do PIS e da COFINS, em face das instituições financeiras, é a receita proveniente da atividade bancária, financeira e de crédito proveniente da venda de produtos, de serviços ou de produtos e serviços, até o advento da Emenda Constitucional 20/1998” (RE 609096).

Em julgamento finalizado, o Tribunal fixou a tese no sentido de que “a instituição de taxa de fiscalização do funcionamento de torres e antenas de transmissão e recepção de dados e voz é de competência privativa da União, nos termos do art. 22, IV, da Constituição Federal, não competindo aos Municípios instituir referida taxa”. Esta decisão foi modulada para “que a decisão produza efeitos a partir da data da publicação da ata de julgamento do mérito, ficando ressalvadas as ações ajuizadas até a mesma data” (RE 776594).

Outros três julgamentos foram encerrados em dezembro. No primeiro foi fixado que “é constitucional o art. 22A da Lei nº 8.212/1991, com a redação da Lei nº 10.256/2001, no que instituiu contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição ao regime anterior da contribuição incidente sobre a folha de salários” (RE 611601). No segundo, que “é constitucional a contribuição destinada ao SENAR incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, na forma do art. 2º da Lei nº 8.540/92, com as alterações do art. 6º da Lei 9.528/97 e do art. 3º da Lei nº 10.256/01” (RE 816830). Por último, o STF reputou a constitucionalidade da contribuição ao Funrural, com o voto de desempate do ministro Dias Toffoli. Todavia, este ministro apresentou o voto pela inconstitucionalidade da sub-rogação, tema que ainda deverá ser esclarecido pelo STF (ADI 4395).

Em conclusão, muito se fala em ativismo judicial praticado pelo STF, mas o que temos visto, especialmente no âmbito tributário, é a reafirmação do texto constitucional. Na retrospectiva de 2021 indicamos que os julgamentos em sessões virtuais e as modulações dos efeitos iriam se intensificar em 2022. Foi exatamente o que aconteceu e, para 2023, acreditamos que a reforma tributária será a protagonista das discussões tributárias e o STF deverá manter a sua postura de limitar os excessos do poder de tributar.

*Eduardo Maneira é professor associado da UFRJ, mestre e doutor pela UFMG, diretor da ABDF, coordenador de Direito Tributário da ESA nacional; sócio do Maneira Advogados

*Eduardo Lourenço é mestre e doutorando em Direito Constitucional pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); LLM em Direito Tributário pelo IBMEC/DF; sócio do Maneira Advogados

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/retrospectiva-2022-o-stf-e-o-direito-tributario/

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