Por: Júlia Garcia Farias*

A transição energética é o processo por meio do qual as matrizes energéticas de um local são alteradas, tanto no curto quanto no longo prazo. Ela se baseia, inclusive, no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 07 da ONU: “Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos”. Nessa linha, embora o Brasil já possua uma matriz energética marcada pelas hidrelétricas há mais de quarenta anos, tem se aberto ao diálogo para outras fontes renováveis e discutido transição energética, em busca de atender ao ESG – Environmental, Social and Governance. Ocorre, contudo, que isso deve ser feito não apenas na medida da sustentabilidade ambiental envolvida, mas também com relação ao âmbito social e de governança, que compõem o ESG.

Há um inegável benefício ambiental com o incentivo de novas matrizes energéticas. Retomando o ODS nº 07 da ONU, vê-se que a energia “limpa”, “sustentável e renovável” reflete justamente essa crescente da transição energética voltada às fontes renováveis e limpas, à descarbonização e ao aumento da preocupação com o meio-ambiente, em especial diante das abruptas mudanças climáticas. Afinal, diversas regiões estão sendo atingidas por temperaturas muito abaixo de zero ou bem superiores aos quarenta graus Celsius e há novas catástrofes ambientais a cada dia.

Contudo, do ponto de vista social, o ESG e a transição devem atender também a uma energia “barata” e acessível “por todos”. Assim, é preciso alinhar o âmbito social do ESG com a acessibilidade conferida à energia, bem como sua modicidade de preço ou tarifa. Algumas fontes renováveis podem oferecer valores mais elevados e esse é um dos motivos pelos quais é preciso se ponderar cuidadosamente sobre os meios utilizados para uma transição energética. Afinal, deve-se ter em mente os custos envolvidos e o quanto isso permitirá o efetivo acesso de todos a essa energia. Inclusive, refletindo como esse acesso impacta mudanças sociais.

Não é novidade que a energia se torna, a cada dia, mais importante para a sociedade. Enquanto, no passado, havia muitas profissões que dependiam pouquíssimo da energia; atualmente, ela se trata de um dos principais insumos das mais diversas áreas de atuação. Ao mesmo tempo, sua presença preenche também a rotina de lazer e acesso à educação de todos, bem como as chances de socialização dos indivíduos, inclusive no âmbito digital. Já faz alguns anos em que se fala, por exemplo, em analfabetismo digital e se há algo que depende muito de energia é o mundo digital.

Em entrevista, Marcelo Neri, diretor do FGV Social, abordou a importância da energia na mudança de indicadores sociais: “Existe muita externalidade na energia elétrica (…) Para todos esses avanços, não é importante apenas se você tem energia na tua casa ou não tem, mas se a comunidade tem mais ou menos; isso também impacta (…) você tem um efeito multiplicador: quando você aumenta a distribuição de energia elétrica, você melhora as pessoas diretamente, mas isso também gera um efeito no agregado”. Além disso, “hoje em dia você tem 99,77% de pessoas com acesso à energia elétrica. É preciso pensar em outras energias alternativas e acho que as bases de dados tão começando a olhar para essas outras coisas também”[1]

No mais, quando se fala em energia “confiável”, é preciso lembrar também da segurança energética. Diante da importância da energia, o ideal é que a transição energética seja feita sem prejudicar a existência de energia suficiente no sistema para atender à demanda durante todo o período de transição. Na mesma ótica, é ideal que a energia ainda seja economicamente acessível para todos em meio a esse processo, sem que aqueles que demorem mais para aderir – por diversos motivos – necessariamente tenham de sofrer ônus com isso.

Por sua vez, do ponto de vista da governança, é preciso considerar a maneira como as empresas se posicionam frente à transição energética escolhida. Isso porque, da mesma forma que elas estão cada vez mais atentas ao tema, há mais consumidores e investidores refletindo sobre e baseando suas decisões de compra e investimento em ações sustentáveis. Isso por si só pode levar a que uma empresa tenha vantagens econômicas diante desse posicionamento. Portanto, se a empresa se colocar como um ator em busca de uma energia mais limpa, é preciso que a sociedade verifique se esse é um posicionamento pontual ou geral daquela empresa e se condiz com a realidade. Em suma, que se verifique se isso reflete de fato a produção daquela companhia ou, ao menos, a proposta para um produto em questão, o que pode ser analisado a partir das informações que a empresa disponibiliza, tanto pontualmente quanto em relatórios habituais.

De todo modo, essa atenção aos fatos também deve ser conciliável com as questões do mercado durante o período de transição. Afinal, enquanto, para alguns, esse posicionamento pode ser benéfico; há parte do mercado que receia sofrer repercussões negativas frente a mudanças, tanto pensando em outros participantes que possam se sentir atingidos, quanto pela dificuldade de atender às expectativas dos consumidores e investidores. Considerando que é de interesse da sociedade que negócios subsistam, o grande dilema está em conciliar transparência para atingir a governança delimitada pelo ESG, prosperidade econômica e redução dos impactos ambientais.

Torna-se evidente, portanto, que ainda há grandes debates a serem realizados quanto à transição energética e o ESG e, embora parte considerável deles perpasse o ponto de vista ambiental, também é preciso uma reflexão acerca do ponto de vista social e de governança. Quanto ao âmbito social, é importante haver uma difusão de informações sobre o tema, buscando aproximá-lo de todas as camadas da sociedade, para que, assim, todos estejam mais capazes de refletir sobre a transição energética. Quanto à governança, o tema de fato movimenta e motiva decisões no mercado, repercutindo em como uma empresa irá agir, quais informações revelará a depender dos impactos, e sua sobrevivência. Para tanto, em ambas as perspectivas, mais reflexão e mais investimentos em pesquisas sobre energia renovável, sua implementação e seus impactos são pontos de partida importantes.

[1] Disponível em: https://energiasemprecomvoce.com.br/marcelo-neri-energia-eletrica-tem-papel-fundamental-na-melhoria-de-indicadores-sociais/

* Júlia Garcia Farias é advogada atuante no Consultivo Tributário do escritório Maneira Advogados e pós-graduanda no LL.M. em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC/RJ), com previsão de término no 2º semestre de 2024. Em 2023, foi aluna nos Módulos I e II do Curso de Direito da Energia Elétrica oferecido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

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Fonte: MegaWhat

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