Reportagem do Valor Econômico veiculada nesta sexta-feira (12/4/24) tratou do debate em torno da tributação sobre alimentos, no âmbito da regulamentação da reforma tributária. O jornal destacou comentário do Dr. Eduardo Lourenço, sócio do Maneira Advogados, a respeito do tema.
Tributação sobre alimentos se torna embate na reforma
Ativistas e parte dos ministérios defende taxar “ultraprocessados”, enquanto indústria e agronegócio buscam alíquota menor
Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro — De Brasília
A carga tributária que incidirá sobre cada tipo de alimento após a reforma tributária se tornou um dos principais embates na regulamentação, às vésperas de o governo Lula (PT) oficializar sua proposta sobre o tema. Supermercados, a indústria de alimentos e o agronegócio tentam garantir alíquotas menores para seus produtos, enquanto associações de defesa do consumidor e instituições ligadas à saúde e agricultura familiar pressionam por uma taxação maior dos alimentos “ultraprocessados”.
A reforma tributária promulgada em dezembro terá uma alíquota padrão para todos os produtos (estimada em 25%), mas com dois redutores possíveis para os alimentos. Os itens da “cesta básica nacional” terão alíquota zerada e não pagarão o IBS/CBS. Já “alimentos destinados ao consumo humano” e produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais “in natura” pagarão alíquota de 40% da padrão (cerca de 10%). Além disso, há possibilidade de incidência do Imposto Seletivo em “produtos nocivos à saúde humana” – o que permitiria taxar a mais alimentos com alto nível de gordura, açúcar ou sal.
Daí já nascem divergências de interpretação do texto. O setor agropecuário e parte do setor alimentício defendem que todos os itens que não estiverem na alíquota zerada serão, automaticamente, beneficiados pelo redutor de 60% por serem “alimentos destinados ao consumo humano”. Por essa lógica, não poderia incidir imposto seletivo sobre eles, já que há vedação explícita na reforma à taxação adicional de bens com alíquota favorecida.
“Se a própria Constituição determinou que esses produtos, dada sua importância, terão uma redução da carga tributária, não tem lógica ter uma tributação adicional. Seria conflitante”, afirma o advogado Eduardo Lourenço. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentou projeto próprio ainda em março com ampla gama de categorias alimentícias que seriam beneficiadas, incluindo gorduras e açúcares. A lista exata de itens seria definida em ato do Executivo.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) causou polêmica ao divulgar, na semana passada, estudo que sugeria que itens como caviar, trufas, lagosta e “foie gras” – consumidos por pessoas com alto poder aquisitivo – constassem da cesta básica. Presidente da entidade, João Galassi diz que a lista foi mal interpretada e que o objetivo do estudo foi levantar os códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) de tudo que fosse “elegível” por seu potencial nutritivo, para que depois o Congresso decida quais itens incluir. “Se a lei só tiver as categorias, esse debate ficará no governo e não no Legislativo. Defendemos que a lei já adote o NCM”, afirma.
“O processamento não faz com que percam seu valor nutricional”
— João Dornellas
Analista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Maya afirma que esta é a “janela de oportunidade perfeita” para garantir o acesso a alimentos mais saudáveis para a população de baixa renda. “Sabemos que o custo da alimentação no país é um determinante, mas o consumo de alimentos ultraprocessados causa doenças crônicas e mentais, trazendo malefícios para a população e impacto para o SUS [Sistema Único de Saúde]”, diz. Ela acredita que o governo enviará os projetos nos moldes dos defendidos pela entidade. “Nossa preocupação é com a interferência no Congresso de setores econômicos que visam o lucro acima do da população.”
A Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda ainda não divulgou sua proposta, mas setores dentro do governo apoiaram os ativistas. O Conselho Nacional de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, apontou que os produtos ultraprocessados e agrotóxicos seriam responsáveis por cerca de 50 mil mortes prematuras por ano no Brasil e recomendou ao governo que os inclua no rol de alvos do Imposto Seletivo, assim como o tabaco e álcool.
Em nota técnica obtida pelo Valor, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar também defende que apenas os alimentos “in natura” e minimamente processados sejam beneficiados pela alíquota zerada. “Importante que a regulamentação contemple as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e que, portanto, alimentos ultraprocessados não estejam inseridos em qualquer benefício tributário. Inclusive, cabe apreciar junto ao Ministério da Saúde a possibilidade de aplicação do imposto seletivo a alguns alimentos ultraprocessados, conforme já recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”, sugeriu a Pasta, liderada pelo ministro Paulo Teixeira (PT).
Galassi, da Abras, rebate que a alíquota padrão dos novos tributos já será uma das mais altas do mundo e que mesmo a alíquota favorecida – que deve ficar entre 10% e 12% – já estará no patamar médio dos alimentos no Brasil hoje, que é de 12%. “Você não penaliza ou beneficia o produto por ser industrializado. sso não quer dizer que ele é um mau produto. O que precisamos entender é se é nutritivo e saudável”, diz. Ele ressalta que alimentos sem nenhum valor nutricional, como balas, devem pagar a alíquota padrão, mas é contra a taxação adicional do Imposto Seletivo. “Estamos falando de 25% a 30% [de alíquota]. Não precisamos penalizar mais do que isso, já é extremamente agressiva”, diz.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, contesta a proposta dos ativistas e diz que o termo ultraprocessados “é cientificamente vago”. Segundo ele, isso levaria a alta no preço do pão de forma, queijos, iogurtes e outros alimentos consumidos pela população de baixa renda. “O processamento não faz com que percam seu valor nutricional”, diz. Ele ressalta que as técnicas industriais visam tornar o produto mais longevo ou saboroso e que há mais riscos em alimentos artesanais feitos sem o devido cuidado sanitário, mas muitas vezes vendidos como mais saudáveis.
A Abia lançou campanha publicitária para defender as qualidades dos produtos industrializados e sugeriu ao governo uma “cesta básica balanceada”, de acordo com a OMS, com mistura de carboidratos, gorduras e proteínas. “O Brasil tem 33 milhões de pessoas passando fome. Os produtos “in natura” são mais caros. Vamos elevar o preço dos alimentos processados e dificultar mais o acesso?”, questiona.
Procurado, o Ministério da Fazenda informou que recebeu contribuições de diversos órgãos de governo e setores da economia, mas só irá se manifestar após o envio dos projetos. O Ministério da Agricultura não comentou.